Orestes Nigro
 

Histórias que não foram escritas

 

Diário de Itápolis - Vizinhos

Casarão do Dr. Paulo Brasil, diferente do estilo arquitetônico  predominante da cidade, na época, onde depois funcionou o primeiro Centro de Saúde de Itápolis

Ainda rondando a minha velha casa quero me reportar aos nossos antigos vizinhos antes de alçar vôo pela cidade. Confrontando com a casa dos Monzillo, com o armazém e com o posto de gasolina dos Armentano, um admirável casarão abrigava o médico Dr. Paulo Brasil, homem de semblante austero, em contraste com sua origem, ele era carioca, vinha do Rio de Janeiro, lugar de gente risonha.

A casa, enorme, de construção sólida, tanto que continua firme até hoje, diferia do estilo arquitetônico predominante na cidade, Tipo chalé, tinha porão habitável, aliás confortavelmente habitável, ostentava enormes vidrais coloridos, com as cores vermelho e azul se destacando, no banheiro e na cozinha.Na sua lateral, seguindo para os fundos, um jardim planejado, sombreado em parte com pérgulas e caramanchões. Os muros que a protegiam eram cobertos de hera em toda a sua extensão, desde a entrada de serviço, na Francisco Porto, até o Rio da Carlota.

Todo aquele casarão abrigava apenas o solitário Dr. Paulo e uma fiel empregada. O porão era onde estava instalada uma verdadeira clínica.  Com consultório, sala de curativos, saleta para aplicação de injeções e uma biblioteca médica. Toda esta parte subterrânea da casa era cuidada por uma enfermeira improvisada, a Dona Júlia Sene, prima de minha mãe, tão carrancuda quanto o seu patrão.

A alegria só tomava conta daquela quieta morada, quando ali aportavam os filhos e filhas do Dr. Paulo. Chegavam do Rio, onde moravam, no mês de julho e nos meses de janeiro e fevereiro, quer dizer, nos meses de férias escolares. As filhas, já casadas, a Didi e a Ruth abriam aquelas janelas que passavam meses fechadas; nós, seus vizinhos, passávamos a ouvi-las falando, cantarolando as marchinhas do carnaval que já estava chegando. Elas tinham muitos amigos na cidade, pois freqüentavam o clube, as sessões de cinema e eram grandes foliãs carnavalescas. Os filhos, a esta época, eram ainda adolescentes. Os gêmeos Rômulo e Remo, nomes tirados da mitologia romana (Rômulo e Remo eram dois irmãozinhos que apareciam nos quadros e nas estátuas, mamando em uma loba, que os teria criado), eram muito travessos e costumavam dar muito trabalho para as empregadas do pai deles, o Dr. Paulo Brasil.

Outra família que chamava a atenção de todos era a família cada vez mais numerosa do Sr. Claudovino Rodrigues e Dona Cida.  Moravam primeiramente numa parte da casa de parede-e-meia que ficava na esquina da da Francisco Porto com a Bernardino de Campos e pertencia ao Sr. Lutaif. Depois foram morar numa casa bem grande, situada na Campos Salles, casa que pertencia a uma senhora viúva, que tinha uma deficiência  física, a Dona Carolina,

O Sr. Claudovino era chofer de praça (motorista de táxi), era bem moreno, vestia sempre um terno escuro, camisa social com gravata, sapatos que brilhavam nos pés e era paparicado tanto pela esposa, a simpática Dona Cida, como pelos filhos, que vinham brotando a cada ano. Era a Odila, depois a Leonor, mais tarde a Alina, e vinha a Elza, a Lourdes, a Lucia, a Elizabeth e a Toninha. Todas moças e meninas lindas, com o tom de pele do pai, muito inteligentes, ótimas alunas, tementes a Deus. Mas não eram só as meninas  que povoavam a casa dos Rodrigues: veio o Vino, abreviação de Claudovino, o júnior da família, depois o Nelson, o Jacintho... contaram quantos ao todo? Que eu me lembre eram estes onze, pelo menos até o ano em que deixei Itápolis, 1952.

E o Sr. Claudovino, com tantos filhos pra criar, pra dar escola, resolveu mudar de profissão, de vida e de lugar. Naquele tempo, inicio dos anos 40, estava sendo descoberto o Norte do Paraná, o que motivou uma febre de aventura, muita gente partindo em busca  do Eldorado no nosso vizinho estado do sul. E Itápolis não escapou desta nova odisséia, muita gente deixou nossa terra em busca das promessas de fartura, muito dinheiro, mudança pra melhor. Lá se foram os Gardelin, os Tronchini, os Bereta, os Falavigna, meu tio Antonio fechou a casa de ferragens que tinha na Campos Salles e se aventurou pra recém fundada Londrina, que só tinha casas de madeira, com ele foi meu irmão mais velho, o Nicolino...  e com esta legião de novos colonizadores, de então modernos bandeirantes, lá se foi o Sr. Claudovino. E era lindo, comovente quando este homem carismático vinha passar uns dias com a família! A gente ficava  embasbacado vendo aquele homem de terno escuro, gravata e chapéu, descendo a Francisco Porto com uma penca de meninas e  meninos pendurados em cada braço dele, numa alegria contagiante que, muitas vezes, deixaram meus olhos marejados de lágrimas, como estão agora.