Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"A insustentável leveza de viver"

“Passado é passado, o futuro a Deus pertence, procure viver o presente!”  Quantas e quantas vezes ouvi ou li esta máxima em minha vida! Duvido que um só leitor possa afirmar “eu nunca tinha lido ou ouvido isto”. E uma sentença que se repete, se repete, se repete, acaba ganhando status de verdade verdadeira. Eu também acreditei nisto.

A idade avançada, no entanto, me fez mudar de opinião. A gente diz isto quando o presente preenche as 24 horas de nossos dias, quando aquilo que já passou se ofusca na nossa vitalidade, no nosso acúmulo de novas empreitadas e a nossa certeza de que o futuro acontecerá nos faz confiantes em nossa imortalidade.

Você verá, quando chegar sua hora, que o presente vai ficando imperceptível, que do futuro não se pode ter certeza, nem do mais próximo, nem do hoje à tarde, quanto mais, do amanhã. E o que nos resta é o passado! Por isto a sábia natureza reserva ao nosso cérebro a capacidade cada vez mais viva de lembrar o mais remoto de nossos dias. E nós, os bem vividos, os velhos que na verdade somos, valorizamos o que passou, sem pensar às vezes que para os que ainda não são velhos, passado é passado.

Por esta razão, quando acabo de enviar à publicação cada uma de minhas crônicas, me pergunto: “a quem e a quantos poderá isto interessar? quem  interromperá o seu presente tão vibrante para voltar-se a esta espécie de túnel do tempo

Por esta razão quem sabe, minha intuição levou-me a eleger o gênero crônica para evocar estas lembranças, pois a crônica é gênero livre dos grandes encargos como conteúdo consistente, compromisso com a história, aprisionamento à pesquisa. A crônica tem prazo de validade, tem limite de espaço e de lugar, desperta interesse momentâneo. De certa forma eu escolhi sujeitar-me à lei do menor esforço, ao compromisso com o que é passageiro. É como o compositor que, escapando à complexidade da ópera, se decide pela opereta. Eu tenho plena consciência desta minha condição.

Algumas pessoas sugeriram que se compilassem estas crônicas e desse aglomerado se fizesse um livro. Por um bom tempo acolhi a ideia, confesso que  ela  me afagou o ego. Mas, penso comigo, qual seria o destino desse livro, senão o leito em que adormecem as obras efêmeras, que serviram um tempo, que repercutiram durante uns poucos dias?

Vamos respeitar a natureza da crônica, vamos deixar que ela seja passageira e viaje conforme o vento, como a pluma leve que segue sem rumo. Vamos nos lembrar que cada texto teve o seu significado próprio, singular, isolado e desprendido, avesso ao ajuntamento, voltado para objetivos de momentos que um dia alguns viveram. E ademais seria injusto deixar fora desse todo, as partes que ainda não a compuseram.

Agradeço a tão queridos amigos pela lisonja e pela disposição de colaborar, mas sou nuvem passageira, nunca me moveu o desejo de eternizar-me, a ilusão da posteridade. Sempre me senti mais um na multidão dos humanos e, por mais que me esforce, não consigo mudar isto. Vamos tocar em frente, no compasso da incógnita, ao som dos ecos de um tempo que ficou para trás, mas que foi intensamente vivido.