Orestes Nigro
 

Histórias que não foram escritas

 

Diário de Itápolis - Famílias Vessoni e Monzillo

Na minha mais tenra Itápolis, lá pelos anos 30, tempos de carros de boi, de troles e semi-troles, a amizade entre as pessoas era bem peculiar se comparada com a dos dias de hoje. A gente, quando era amiga de uma determinada pessoa, esta amizade não se restringia a ela, não. Era um sentimento que podia ter começado entre a gente e aquela pessoa em particular, mas logo este sentimento se estendia à toda família dela, e isto acontecia de maneira bi-lateral: quando você via, as duas famílias tinham ficado amigas. Quando me reporto a aqueles tempos fico até intrigado com este tipo de relacionamento. O que será que levava as pessoas a englobar a família do amigo em seu círculo de amizades? Será que era porque a cidade ainda era pequena, a população era pouco numerosa? Mas hoje temos inúmeras cidades bem pequenas, com população escassa e este envolvimento das famílias não se dá mais.

Nós morávamos na Francisco Porto, nº 36, vejam só, 36... hoje parece que o número da casa é 1092, ela não nos pertence mais, parece que agora pertence a um dos filhos do Sr. Otávio Próspero, da máquina de arroz da Vila Nova. Tínhamos como vizinhos à direita de quem está na casa, a família Vessoni, à esquerda a família Armentano. A família Vessoni era bem numerosa, o Sr. Carlos e a Dona Doralice (que era chamada de Donalice) tinham 9 filhos, sendo um único homem, o Toninho (que hoje virou placa de rua e passou a ser chamado de Ricieri Antônio Vessoni – acho que nem ele mesmo sabia desse Ricieri no nome!). E tinha aquele monte de irmãs: a mais velha era a Stella, casada com o Nutcho Tarallo (o nome dele era Caetano, a família o chamava de Caetanutcho, diminutivo em italiano de Caetano – na verdade o italiano escreve Caetanucio – mas eu estou escrevendo como se pronuncia). O casal teve dois filhos, o Lavoisier e o Gil; depois da Stella, vinha a Olderize (diminutivo italiano de Óldera, como  a Óldera Pinotti). Dona Olderize era casada com o Sr. Costábile Monzillo, conhecido como Constantino. Os dois tiveram dois filhos, o Luís Carlos (o Nicalo) e o Enéas Dagoberto (o Nejão). Em seguida vinha a Julia, casada com o Sr. Domingos Calderazzi, de Taquaritinga, onde criaram o Tito e o Nenê. A visita da Julia com seu séquito, era motivo de alvoroço tanto na casa do Sr. Carlos, como na vizinhança. Depois da Julia vinha a Adélia. Dona Adélia foi casada com o ilustre itapolitano, filho de Francisco Porto, prefeito Lucilo Alves Porto, homem de grande talento para a prática política. Tiveram um casal de filhos: a Maria de Lourdes, a conhecidíssima Nenê, que deixou viúvo o Sílvio Francischetti e o Lucilinho, que é engenheiro em São Paulo. E aí entram a Isabel  e a Ivone que não se casaram, a Iolanda, que se casou com um dentista de São Paulo, que eu conhecia como Freitas e a Ivete, filha caçula que se formou em Educação Física e lecionou a disciplina no Valentim Gentil. A Ivete casou-se com um rapaz de Bragança Paulista, de nome Simas, moço que conheci cavalheiro, elegante, grande dançarino nos bailes de gala da cidade, mas que infelicitou a família Vessoni, tirando a vida de sua esposa, dizem que foi por ciúme, porque não queria que ela exercesse a profissão de professora de Educação Física. O casal teve dois meninos.

O Toninho é um caso à parte. Único varão da família mereceu sempre um tratamento especial de todos! Quando criança era o homenzinho da casa, jovem passou a ser a esperança de uma carreira de sucesso. Dono de um incrível senso de humor, o Toninho, quando instado a dar sua opinião sobre qualquer coisa no meio de tantas irmãs costumava dizer: “Bem, entre nós mulheres... acho que devemos, etc. etc. etc.” E todos caíam na risada. O Toninho não decepcionou seu pai, fez carreira política que culminou guindando-o ao cargo de Prefeito Municipal, pela via do voto. Foi na sua gestão que se implantou o então novo tipo de calçamento com lajotas de concreto, denominadas “torcret”, que ainda existem em algumas vias da cidade. Toninho, casado com a Dona Leonor Del Guércio, irmã da Dona Laura e de um punhado de irmãos, teve com ela um casal de filhos, a Eneida, uma das moças mais lindas que pude conhecer em toda minha vida e o Carlinhos, que tive a satisfação enorme de ver cantando e encantando no último jantar dos itapolitanos em São Paulo, em outubro.

Esta era a familia Vessoni, nossos vizinhos da direita. Vejam então vocês. Eu me afastei de Itápolis em 1952, quer dizer, há 58 anos e não precisei da ajuda de ninguém pra  lembrar de tudo isto. Tal lembrança é fruto da enorme amizade que unia as duas famílias, com a participação de todos. As alegrias de quaisquer deles, estivessem onde estivessem, era também a nossa alegria. A dor e a tristeza de qualquer um dos Vessoni, enchia-nos também de tristeza. Assim eram as amizades na minha mais tenra Itápolis, e é por isto que amo tanto esta cidade, não pelas suas ruas e praças, nem pelos seus monumentos, mas pelas pessoas que formavam o povo itapolitano.