Orestes Nigro
 

Histórias que não foram escritas

 

Diário de Itápolis - Família Torre

Eu era menino de uns 8, 9 anos, lembro-me bem, quando, toda manhã, por volta de 7 horas, eu pegava o latãozinho de alumínio e descia a Bernardino de Campos até a ponte da Florêncio Terra, fim da Vila Nova e ali pegava um atalho que subia na diagonal, no meio de mato crescido onde se viam guanxuma, carqueja, bambuzinho, algumas daquelas flores feiosas que a gente chamava de “peido de véia” , até a esquina da Rua Boiadeira, onde, à esquerda, ficava uma chácara cheia de árvores, um pé daquela flor vermelho-vivo que chamavam de pita. Sempre florida, lá no fundo da casa uma varanda cheia de vasos com folhagens e na mureta os latões de leite. Era ali, na casa da Dona Elvira, que em solteira era da família Mancuzzo, donde tembém vinha a mãe da professora Iolanda Santoro, irmã da Dona Elvira Mancuzzo Torre, esposa do maior amigo do meu pai, o Sr. Francisco Torre (que não se confunda com os Torres). Era ali naquela chácara rica em hortaliças, em gado leiteiro e árvoredo, e mais rica ainda em alegria e animação, que eu buscava o leite pra minha casa. Eu adorava aquele pedaço onde ia toda manhã e às vezes voltava, subia um pouco mais e ia até a chácara do Sr. Garcia buscar as mangas mais gostosas que já saboreei nesta vida: manga coração de boi, vermelhinhas e enormes, e as deliciosas mangas “bourbons”, que se pronuncia burbons e que a maioria diz borbom.

Sr. Francisco Torre, o chefe da casa, um homem forte, atarracado, cabelos pretos, rosto bem avermelhado, onde se destacava um caroço protuberante que até lhe dava um certo charme, era sua marca registrada, Sêo Chico era carroceiro. Naquele tempo a carroça era um meio de transporte da maior importância na cidade e no campo, havia inúmeros em Itápolis e ainda não davam conta de tanto serviço.

Sêo Chico Torre (ninguém o tratava só de Sêo Chico – era sempre o Sêo Chico Torre) e dona Elvira tiveram doze filhos, sendo que o gêmeo do Nestor, o caçula, infelizmente não vingou, chamava-se Carlos. Olhem só a penca, pela ordem de chegada neste mundo: A Grácia, o Francisco, conhecido como Chicão, o Antônio, que era marceneiro e depois que se casou passou a morar numa casa bem em frente à chácara, o José (Zé), que trabalhava no Boulevard Itápolis desde o tempo do Manoel Borges e que tem um filho do mesmo nome, sócio do Posto Ipiranga da saída do Clube de Campo, cuja simpatia tive a alegria de conhecer outro dia,  a Libera, o Guido, o mais fortão deles, o Geraldo, o mais alegre e conhecido deles (a Maricilda tem a quem puxar!), o Otávio, meu contemporâneo,  a Ana Thereza,  a Maria Luiza, que todos chamam de Nininha e o caçula Nestor. Desta irmandade ainda estão entre nós a Libera, o Zé, a Nininha e o Nestor. Os demais já levaram sua alegria pra perto do Pai Celestial.

Sêo Chico Torre e meu pai, Vicente Nigro, eram carne e osso, pescavam juntos, jogavam  Três-Sete juntos, um arrumava serviço pro outro; quando meu pai ficava sem dinheiro pra tocar o seu invento, a bomba d’água de corrente, o amigo Chico Torre sempre tinha algum de que dispunha, pra emprestar sem juros e sem cobranças. O Antonio, o terceiro filho, assim que as bombas começaram a fazer sucesso de venda, foi trabalhar na oficina do meu pai, onde permaneceu até a desativação da fábrica; mais tarde, outro filho do Sêo Chico Torre, o Tavinho,  foi trabalhar ali também, onde aprendeu, com meu irmão Romeu, a profissão de torneiro mecânico e de encanador, que foram a base sobre a qual tornou-se, em São Paulo, um conceituado empresário da construção civil.

Os filhos do Sêo Francisco Torre eram muito conhecidos de todos da cidade. Todos muito trabalhadores. O Guido e o Geraldo eram também carroceiros, lembro-me que um tempo o Chicão era, se não me engano,  padeiro, até mesmo o Nestor, desde menino também foi trabalhar com meu pai. As filhas da Dona Elvira, recatadas e discretas como a valorosa mãe que tinham, eram prendadas e uma mão na roda em casa. Sêo Chico Torre tinha o maior orgulho delas.

A alegria era o traço principal dos Torre. Onde quer que chegassem, iam levando bom humor e animação. Gostavam de festas, de bailes, de futebol, em todos os eventos lá estavam os filhos do Sêo Chico Torre. Posso dizer, sem nenhum exagero, que a família Torre era grande fator de animação na nossa mais tenra Itápolis. Sinto enorme saudade deles todos, de sua extrema comunicabilidade, porque sempre admirei  a conduta irreprimível de todos eles, obra da educação que receberam do Sêo Chico e de dona Elvira. E sinto enorme orgulho por te-los tido todos como amigos. Gente assim enobrece a profissão que abraçam, enriquecem a comunidade onde construíram suas vidas. Que Deus os abençoe a todos!