Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"O Sargento e a Formiga"

             Minha mais tenra Itápolis deixou muitos casos, muitas histórias das quais poucos se lembram nos dias de hoje. Algumas se destacam pelo inusitado, outras pelo pitoresco, outras pela comicidade e há aquelas que me nego a reproduzir, por serem marcadas pelo trágico. Não vale a pena relembrar coisas tristes, bastam as tristezas de hoje.

            Quem viveu para ter visitado o Cemitério Municipal dos anos 30, 40 até mesmo 50, há de se lembrar daquela fileira de túmulos característicos de “anjinhos”, ali por perto da antiga Capela. Eram as crianças de uma família de holandeses, que trabalhavam numa fazenda perto da Usina do Ribeirão dos Porcos, as quais não resistiram ao surto de febre tifoide que vitimou muita gente, na epidemia da década de 20. Numa outra rua, próxima dali, seis túmulos eram muito visitados, fato que durou muitos anos, pois se tratava das seis vítimas de um raio, que levou grande parte da família Bonan, na sua propriedade rural, ali pelas bandas de onde é hoje a fazenda do Malosso.

            Nossa Itápolis conheceu muitos acontecimentos tristes nos seus 150 anos de vida. Mas, deixemos isto pra lá. É sempre bom lembrar momentos alegres, principalmente os que vêm recheados de graça. Em meados da década de 40, nos anos em que nosso país viveu momentos de grande tensão política (fim da Segunda Guerra Mundial em maio de 45, e no mesmo ano, queda de Getúlio Vargas, odiado pela elite e pelos conservadores, mas idolatrado pelos trabalhadores), o Sargento Américo Bahia do Nascimento, comandante do Tiro de Guerra, recebeu ordens superiores para declarar estado de alerta na cidade, pois havia rumores de uma nova intentona comunista no Brasil. O simpático chefe militar da cidade convocou a tropa dos integrantes do TG e deu a eles algumas tarefas atinentes à ameaça em foco. O Tiro de Guerra tinha sua sede no prédio onde hoje funciona a Câmara Municipal. O Sargento isolou o quarteirão, interditou o trânsito no pedaço,  salvos os moradores daquele trecho. Colocou em cada esquina uma patrulha que vigiava em turnos de 6 horas. Convocou uma reunião com as autoridades locais, com a participação dos inspetores de quarteirão, categoria de cidadãos voluntários que tinham por missão proteger sua quadra. Todo mundo em alerta, passou-se a aguardar os acontecimentos.

            Na terceira noite de vigília, já em altas horas, quando toda a cidade dormia e o silêncio só era interrompido pelos grilos e as corujas, o Sargento foi acordado com fortes estocadas na enorme porta de madeira do edifício. Como o simpático Sargento Américo morava na parte do fundo do prédio, distanciado da porta da frente por um enorme salão, as fortes coronhadas de fuzil causavam estrondos assustadores àquela hora da madrugada. Sem pestanejar e sem mesmo vestir uma calça, o nosso protetor militar, devidamente armado e de cueca,  correu abrir a porta e enfrentar o insolente inimigo.  Qual não foi sua surpresa quando deparou com um único atirador, de fuzil 1908 nas mãos, olhando pra ele muito sério, bateu continência e consultou: “Sargento Américo!!! O senhor não ordenou que a gente não deixasse ninguém passar desta esquina pra cá? Só o Romeu Marconi que pode, não é?” O Sargento, intrigado, respondeu: “Sim, isto mesmo! Por que?!” E o atirador, um dos jovens mais queridos da cidade, o Toninho Seiscenti, anunciou a grave ameaça! “Olha Sargento! Ali na esquina tem uma formiga saúva querendo de todo jeito  passar! O que que eu faço? Mato ela?”

            Nem é preciso dizer quem o Sargento teve vontade de matar naquela hora! E daquele grave momento da vida nacional, só sobrou para os itapolitanos aquele episódio de coragem e de bravura! E de certa loucura também.