Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Diário de Itápolis - Teremim

Ainda se respirava o pós-guerra, iniciado em maio de 1945. Já se haviam passado alguns anos, mas ainda pairava nos ares itapolitanos os ecos das notícias de miséria, destroços, vergonha, que vinham da longínqua Itália, levada a uma aventura mal fadada por Benito Mussolini, “Il Duce”. Longínqua dos olhos mas não do coração das famílias dos “oriundi”. Lá faltava comida, combustível, trabalho, esperança. Não sei se era tudo verdade ou  se havia exagero, mas diziam que as mocinhas de lá tinham que se prostituir para sobreviver e ajudar seus familiares. Quando estas coisas eram ditas, as lágrimas corriam pelas faces da minha Nona, da dona Filomena Armentano, da dona Ursula La Laina, da dona Assunta do Hotel Modelo, da dona Amábile Tronchini, da dona Domênica Appolaro. Eu vi muita lágrima rolar de olhos de homens, como do Sr. Carlos Vessoni, do Sr. Antônio Trevisan, do Sr. Ernesto Bregagnoli, do Sr. Abramo Mói e tantos outros que antes da tragédia pátria, sempre achei que nunca iriam chorar. Não bastara terem passado o que passaram durante aqueles longos anos de tristeza e medo que a 2ª Guerra Mundial tinha causado , humilhados que foram com a pecha de “Quinta-coluna”, expressão adjetiva que criaram para chamar os imigrantes de origem germânica, nipônica e italiana de traidores. “Seu Quinta-coluna!” se dizia pra chamar o comerciante italiano que negasse um fiado, e era o mesmo que dizer “seu traidor!”

Foi neste clima ainda, lá pelos idos de 49/51 que apareceu na cidade, trazido por  não me lembro quem, um senhor de origem húngara, portando um simulacro de instrumento musical, chamado pelo estranho nome de Teremim. Foi anunciado por toda a cidade que íamos conhecer o Teremim, um instrumento sem igual, único, que emitia músicas, melodias sem que se lhe tocasse um só dedo. E o Senhor das Hungrias virou o assunto. A primeira atração se deu no pátio frontal da nossa Matriz, numa tarde de sábado, repetida no domingo. O outro e último se deu na esquina da Valentim Gentil com a Rio Branco. Na Matriz, o local ficou espremido de gente, homens, mulheres, crianças, velhos, todos curiosos pra conhecer aquela novidade. E ela chegou: era uma haste de metal escuro, presa em uma base de amianto, que se erguia na vertical apontando para o firmamento e, mais na base, uma haste arqueada de onde ele tirava os sons graves. O húngaro, que exibia um enorme anel esmeralda e rubi no dedo, começou a executar as mais lindas melodias, músicas que eram do gosto popular dos itapolitanos; populares, embora fossem a Ave Maria de Gounod, a Serenata de Schubert, o Traumereis de Schumann, o Meditação de Mascagni, o Guarani de Carlos Gomes e por aí a fora. O povo estava encantado com as lindas melodias e mais ainda estupefatos com a forma como aquela espécie de mago maggiar tirava   aqueles sons limpos, cristalinos, afinadíssimos, só com a aproximação e distanciamento de suas mãos. Conforme o húngaro aproximava a/as mãos daquela haste o som ia ficando cada vez mais agudo, e quanto mais ele afastava a/as mãos, o som se tornava mais grave, E com uma habilidade incrível aquele homem harmonizava, superpunha e alinhavava as notas musicais sem ter uma escala visível, e sem tocar nem de leve no seu excêntrico instrumento.

Aqueles momentos de magia e de arte vinham se casar com a alma sensível daquele povo que amava a arte, sucumbia em lágrimas de emoção ao som de um violino, aquele concerto culminou com a surpreendente exclamação daquele mago , num pungente “Eh Viva l’Itália!  E vívano gl’italiani” Aí foi demais, apoteótico, indescritível!

Depois dos concertos fomos saber que aquele instrumento, inspirado no sensor dos radares, foi inventado em 1910, pelo russo Lev Sergelvitch e é considerado o primeiro instrumento totalmente eletrônico da história da música. E o “Viva l’Itália!” exclamado por um húngaro era um gesto de gratidão por um desertor do exército de Mussolini ter salvado a mãe do músico, das mãos dos soldados alemães.

Estas coisas aconteciam na velha  Itápolis, cujo povo lotava os salões do Cine Theatro Central e do Cine Ideal, para ouvir a Orquestra Cigana de Gabor Raddics ou para dançar ao som da Orquestra Sul América de Jaboticabal, com seu maravilhoso “clooner” Dario, de voz encantadora.

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