Orestes Nigro
 

Histórias que não foram escritas

 

Diário de Itápolis - Sorvetes e Serestas

Nossa terra já foi a terra do café, terra do ovo, terra da laranja, todas estas eras se consumiram, a única que continua firme e imbatível é a fama merecida de “terra do sorvete delicioso”. Do Gigio Lapenta o bastão passou para o Elpídio Fontes, que conseguiu manter o nível de qualidade, introduzindo alguns sabores mais populares, como o picolé de caldo de cana, uma idéia deliciosa, por sinal. Quando eu deixei a minha Itápolis, em 1952, era o Elpídio que comandava. Houve outras sorveterias, naquele tempo: uma pequena, sem muita importância, na Vila Nova, em frente da casa do Brasiliano; nos anos em que os irmãos Nigro, meus tios Arcângelo, Antônio e Roque, dominaram o quarteirão da Campo Salles, entre a Ricieiri Vessoni e a Bernardino de Campos, o tio Roque manteve, por algum tempo, uma padaria e sorveteria, no prédio onde depois funcionou a Casa Jurema, de tecidos. Na mesma Campos Salles, no quarteirão de baixo, entre o empório do Abramo Mói (onde hoje há uma Auto Escola, “Parada Obrigatória”) e o Armazém do Turo Tarallo, funcionou uma sorveteria de amplo salão, mantida pelo Sr. Miranda, pai do futuro cantor romântico que brilhou por largo tempo em São Paulo e no Rio, o Wilson Miranda.  E na esquina da Campos Salles, com a José Trevizan, no espaçoso recinto comercial que mais tarde foi o famoso empório (Armazém de Secos e Molhados – como se usava na época) do Hipólito Zuliani, que marcou época, tivemos uma grande sorveteria, muito bem montada.

Até então, nenhuma nova sorveteria ousou fazer frente à velha sorveteria da Praça da Matriz, que um dia foi do Gigio Lapenta. Só bem mais tarde, quando a tradicional casa de sorvetes passou às mãos do Antônio Cacini, é que começaram a surgir as sorveterias que passaram a competir em sabor e qualidade, firmava-se e ampliava-se, a nossa Capital do Sorvete. Mas, eu não pude testemunhar in loco esta evolução, portanto não devo me meter a falar daquilo que não sei como se deu.

Como eu voltei a falar sobre sorveterias e sobre o Gigio Lapenta, aproveito para ampliar as informações sobre esta simpática família. O Roque eu já disse, era alfaiate, o Mario fez carreira no magistério, o Gigio era sorveteiro e comerciante, parece que, por uns tempos, foi proprietário do Boulevard Itápolis e o Victor era dentista. Casado com dona Nair, o casal teve vários filhos, já citei o Victor Hugo, que se tornou padre, a Maria Rosa, a Terezinha e o José, mais ainda temos a Nairzinha e o Mario. Se me escapou algum, desculpem-me. O José, que foi meu colega de Valentim Gentil e de Tiro de Guerra, turma de 1951, casou-se com a Anadéia Mortati, filha de um casal que foi muito querido pela minha família: a Dona Angelina e o Sr. Ângelo Mortati, homônimo em nome e sobrenome do saudoso marido de Dona Marieta Armentano Mortati, também hoje morando na nossa saudade. O pai da Anadéia, o Sr. Ângelo, era amigo-irmão do meu pai. Partiu moço ainda deste mundo, tendo sofrido a penosa doença que abalou o século XX. Lembro-me como se fosse hoje o sofrimento do nosso amigo, sofrimento este acompanhado dia a dia pelo meu pai. Era companheiro de pescaria, parceiro de truco, de 3-7, de Patrono e Sotto. Tempo de sotaque imigrante.

E falando de Maria Rosa me bateu a lembrança de nossas serestas nas madrugadas de sábado pra domingo. Uma das casas não sei se premiadas ou castigadas, era do Sr. Victor Lapenta, ali na Av. Eduardo Amaral Lyra, entre a Rua Rio Branco e a Rua Ruy Barbosa, hoje Odilon Negrão. O alvo maior da seresta era a Maria Rosa, uma moreninha tipo minhom, muito da bonita, que tinha um admirador entre nosso cantores de plantão, o Wilson Marin, sobrinho e hóspede da dona Dalva Caivano. A canção predileta da então menina-moça, segundo seu fã, era “Boneca”, criação do Silvio Caldas, o Caboclinho Querido, ídolo de mais de 3 décadas, que a “desmemoria” do brasileiro jogou no esquecimento. As serestas eram recheadas com as canções românticas do Carlos Galhardo, cantor de voz de veludo, mais ao gosto das mamães e das vovós, péla sua temática mais voltada para a família. Sílvio Caldas cantava a beleza da mulher, da mulher presumivelmente solteira, pois ainda conquistável. Orlando Silva, o Cantor das Multidões, era o mais romântico de todos e suas canções traziam o canto quase choroso do homem apaixonado e não correspondido, do moço sofredor. Havia outros ídolos de grande porte, na época. O Chico Alves, o Rei da Voz e o Vicente Celestino, o tenor do tango-canção. Mas estes dois não eram fonte de inspiração dos seresteiros paulistas, como nós. Serenata era coisa séria, feita no maior silencio, pisando pé ante pé  para não perturbar, pois era preciso manter, acima de tudo, o respeito pela família da moça.