Orestes Nigro
 

Histórias que não foram escritas

 

Diário de Itápolis - Serestas!

Já que falamos em serestas, vamos relembrar as noitadas embaladas por melodias e poemas tão ao gosto dos anos 30/40 e 50 ainda. É! Porque depois tivemos o advento do Volkswagen besourinho e a revolução industrial mudou radicalmente os costumes da juventude brasileira. Devagar, devagarinho, fomos deixando o violão, o bandolim, a flauta de lado e chegou-se até a fazer serenatas ao som da popular radiola e da Sonata, ligada à bateria de um carro. E a atitude passou a ser outra, tanto dos novos seresteiros, como das famílias que recebiam as serestas. Abriam suas casas já com as mesas prontas pra servir os salgadinhos, os docinhos e a bebida do momento: o Cuba Libre!

Não, gente! Serenata, antes desta esculhambação, era feita sem aviso, de surpresa. De repente as pessoas da casa acordavam ao som de instrumentos de  corda e do contra-canto de uma flauta soprada suavemente. Introduzida por acordes a letra poética surgia na voz afinada de algum cantor bissexto. Nosso grupo de serestas contava com um violino magistralmente tocado pelo Mallezinho, com um bandolim impecável dedilhado pelo Almir Santana, que vinha da então longínqua Gavião Peixoto pra se juntar a nós. Flauta não tínhamos, o violino supria, completava-se o conjunto com o violão, o chocalho e a boa vontade. Os cantores eram três: o Vitor Basile, estudante de Ibitinga que morava em Itápolis, o Wilson Marin, sobrinho da Dona Dalva Caivano e o Geraldo Hauers (o Baianinho). O Vitor tinha a mais bela voz dentre os três, cantava no estilo romântico do Orlando Silva; o Wilson era barítono, voz potente, entoava com perfeição as melodias românticas de então; o Baianinho não era assim aquele cantor, mas compensava suas deficiências emprestando um toque dramático às suas interpretações, inclusive escalando as paredes e indo arranhar a madeira das janelas no auge de seus surtos dramáticos.

As casas mais visitadas pelos seresteiros eram aquelas que abrigavam as meninas mais comunicativas, pretensas namoradas e mesmo amigas, e cujos familiares não faziam restrições às serestas, antes, as aplaudiam. Mas, aplausos e comentários se faziam no dia seguinte, depois da missa das 10. Porque, na hora da serenata, o máximo que se via era o acender e o apagar de um abajur, escapando pelas frestas da janela ou da veneziana.

Muita gente desaprovava as serenatas, diziam que eram coisa de boêmios vagabundos, de candidatos a uma boa tuberculose! Meu pai, o Seo Vicente era um deles! Eu tinha que fazer grandes peripécias pra poder levar meu violão nos sábados de seresta. Ainda era dia quando um dos companheiros passava por minha casa, apanhava o instrumento que eu lhe escorregava pela janela e ao sair de casa, de noitinha, eu já avisava que iria, depois do cinema, comer o bolo de aniversário de algum amigo.  Quando voltava pra casa, lá pelas 2 e meia, 3 horas da madrugava, eu dava três toques na janela do quarto em que dormia e minha irmã Zizinha  também, aí  aquela santa irmã abria a janela, me puxava pra dentro e se meu pai acordasse perguntando “o que que está havendo aí?” ela o tranquilizava dizendo: “Fui eu que fui ao banheiro, pai!” E aí eram os cochichos pra contar da serenata!

Só que nem sempre este estratagema funcionava! Minha saudosa irmã se casou, foi morar no sítio e eu recebi um novo companheiro de quarto, o meu sizudo irmão Romeu! Coitado! Ele dava um duro danado na oficina, cortando chapas de aço, furando cantoneiras de ferro, montando aquelas estantes onde iam ser presas as bombas de corrente, patente do meu pai, e à noite estava pregado.

 E lá fui eu fazer minha serenata! Cantamos na casa do Tutu Faria, na casa do Vitor Lapenta, na casa do Totó Gigliotti, na casa dos Marconi, na casa dos Palmitesta, e mais uma porção de casas, E lá fui eu na minha sina de dar três toques, depois pular pra dentro do meu quarto. Cheguei pertinho, sussurrei “Romeu, abre aqui pra mim!” E ouvi aquela voz nada amortecida: “Pai!  Vai abrir a porta pro Orestes, ele tá chegando agora!!!”  Vocês já estão imaginando a surra que eu levei?