Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"Os Sene - III"

            Esta grande família foi descrita, disposta e composta nos seus vários ramos e sub-ramos, conforme os conheci nos deliciosos anos de minha infância e juventude. Aí nesta terra, mas sempre na minha mais tenra Itápolis. Porque, depois, longe do meu primeiro mundo, não pude ver as famílias se multiplicarem ainda mais, os parentes se unirem em casamento com gente da terra e também com gente recém chegada ou de longe. E deles nasceram filhos, netos, até bisnetos. E eu perdi o andar da carruagem. É melhor eu voltar a aqueles tempos, não tenham dúvida.

01 - Antenor, 02 - Maria Augusta, 03 - Octacílio, 04 - Orestinho, 05 - Jorge, 06 - Elpídio, 07 - Eduardo, 08 - Didi (Leonilda), 09 - Olívia Delminda (Vóliva), 10 - Antonio Rodrigues e Silva (Vôlivo), 11 - Zeca, 12 - Chiquinha, 13 - Sebastião (Zizinho), 14 - Aracy, 15 - Vitor Antonio Celli, 16 - Maria, 17 - Nenê (Maria Isabel de Moraes), 18 - Caboclo (Orestes da Costa Sene Jr.), 19 - Bebé (Izabel Maria), 20 - Loreta, 21 - Lucila, 22 - Bibi (Abigail), 23 - Santinha, 24 - Bizuca (Maria Izabel), 25 - Vó Loreta ( a Matriarca), 26 - Maria Loreta (falecida em 1930), 27 - Orestes, 28 - Demétrio (Dedé), 29 - José Agenor, 30 - Mariinha (Maria), 31 - Odete, 32 - Laura Antonia

            Resta dizer que aquela família numerosa, de gente morena, amorenada, morena-clara, de rara loirice, tinha uma característica logo perceptível: era comunicativa, expansiva e bem humorada, por isto se tornava agradável no convívio. Desde crianças, nós, os filhos da Bebé, adorávamos os Sene, ir à casa de qualquer um deles nos dava sempre a sensação de irmos a uma festa, pois sabíamos que íamos ter momentos alegres, divertidos. À casa da Sebastiana e do Chico íamos sempre, éramos bem próximos e havia primos e primas para todas as nossas faixas de idade. A gente visitava vez por outra a casa do Romeu, a do Narciso e a dos irmãos celibatários da Rua José Bonifácio (José Trevisan).

            Hoje estes primos e primas se espalharam, casaram-se, as meninas ganharam sobrenomes diferentes, filhos, netos, a Ruthinha  tem até bisneto! Há Sene saídos de Itápolis em São Paulo, em Jundiaí, em Campinas, em Presidente Prudente, em Araraquara, em Ribeirão Preto, em Jacareí, em Catanduva, enfim, por toda parte. Tenho tido a felicidade de reencontrá-los, vez por outra. O bom humor, a comunicabilidade estão preservados e transmitidas a seus filhos e netos. A marca Sene continua indelével.

            Outro traço dos Sene é o gosto pela música, a boa música. Se não tocam algum instrumento, ao menos cantam afinadinhos e têm muito bom gosto. Acho que mesmo este tsunami de aberrações tocadas na mídia de hoje não os atinge. A inteligência arguta e ousada dos Sene se manifesta desde os primeiros anos da vida escolar, a quase totalidade deles era composta de bons e ótimos alunos.

            Nesta última crônica sobre meu lado materno quero relembrar momentos de convívio com esta gente maravilhosa, para que os Sene das novas gerações resgatem comigo as qualidades de  nossa gente de outrora. Saibam, pois, que nos primórdios do século XX ainda eram comuns os saraus literários e musicais entre os Sene. Reuniam-se cada vez na casa de um, ali se declamavam poemas de Fagundes Varella, Gonçalves Dias, Castro Alves, Olavo Bilac, ali se cantavam árias de operetas, modinhas, “lieds” cheias do lirismo o Carlos Gomes, do Francisco Mignone. O piano era peça infalível, assim como a flauta, o clalinete, o oboé, o violão. Minha mãe contava que as reuniões lítero-musicais sempre acabavam em dança de salão, à moda antiga e quem se sobressaía nas polcas, nas mazurcas, nos chotes e nas valsas eram o tio Elpídio, o tio Antenor, o Sebastião, o tio Zeca com sua elegância, o João brilhando no minueto. Eu ainda pude sentir este clima durante minha infância. Pude ouvir a tia Loreta dedilhando no piano os maxixes de Ernesto Nazareth, o João Sene, assim era sempre chamado, atendia os nossos pedidos e, cantarolando nos mostrava a graça das antigas danças.

            Nossa família ainda conservava laços com os que permaneceram no Vale do Paraíba. Várias vezes recebemos a visita de parentes que vinham do Vale: o Manfredo, de Paraibuna, o Silvestre, de Queluz, o Augusto, de Silveira e tantos outros.  E nessas visitas havia uma troca de anedotas, as daqui contra as de lá. E numa dessas visitas um primo de Taubaté, chamado Ronoel deitou a falar de reminiscências carregadas de lirismo. E falava bonito o primo!
 E veja o que aconteceu num de seus devaneios. (Leia em voz alta comigo, leitor): “Lembro-me bem das manhãs ensolaradas, com ceu azulado e o vento sibilando. Corríamos todos, vorazes de natureza pelos campos verdejantes, braços nus, pés descalços colhendo mimosas flores, comendo “golhabas”... ah, meu Deus, estragou tudo! Estava indo tão bem! As primas moçoilas que ouviam o galante poeta vindo de longe não contiveram o riso, seguidas logo dos demais presentes e o primo Ronoel escondeu-se atrás de um copo d’água que alguém lhe trouxe a título de socorro.

            Alegres momentos, que sei que se repetem hoje em dia, pois algumas amostras têm-me dado a certeza de que o bom humor sobrevive. Quem, como eu, conheceu a Cris, filha do saudoso primo Nereu, que o diga. Sua bênção, tio Eduardo, sua bênção, tio Elpídio, sua bênção Chiquinha do Firmo, sua bênção meu querido Chico Sene! Peço sua bênção a todos, aos que  partiram, aos que resistem heroicamente e aos que têm a vida pela frente.