Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Diário de Itápolis - Família Semeghini II

Na minha mais tenra Itápolis viviam famílias enormes que, além de serem numerosas, se ramificaram criando vínculos com outras famílias de igual porte. Quando isto acontece o cronista que escreve sobre ela tem que ter todo cuidado para não confundir alhos com bugalhos. Ainda mais no meu caso que não sou historiador nem pesquisador: a gente conheceu gente que jurava ser da família tal e, na verdade, tinha origem em outra. É o caso da grande família Semeghini, sobre a qual venho tratando agora.

O Sr. Giuseppe Semeghini saiu da província de Poggio Rusco, vizinha de Mantoa com 14 anos de idade e veio aportar no Brasil  na metade do século XIX; casou-se com Dona Maria, e constituiu uma grande família. Na nossa Itápolis ele deixou os filhos Angelo e Theodósio. O Sr. Angelo casou-se com Dona Ida, o Sr. Theodósio com Dona Romilda.  O primeiro acabou construindo sua casa na 13 de Maio, do lado de baixo do rio e o segundo, foi morar na Ruy Barbosa, do lado de cima do rio. Era assim que a gente dividia a cidade naqueles anos.  E tiveram muitos filhos. Do Sr, Theodósio eu já falei na crônica anterior, E do Sr. Angelo vou falar agora. A confusão anteriormente é que as duas famílias tinham membros com os mesmos nomes, as duas tinham Albina, as duas tinham Clarice, as duas tinham Angelo. Isto era muito comum entre os imigrantes italianos, naquela época. A gente sabia se um nome que aparecia nos jornais, por exemplo, era de parente ou não., porque os nomes se repetiam. Meu pai, por exemplo, chamava-se Vicente Nigro. Havia Vicente Nigro em Marília, em Bocaina, no Brás, em São Paulo. E eram parentes. Os nomes giravam como que num círculo limitado e caracterizavam as famílias.

A Dona Ida, que conheci bem, uma mulher alegre, despachada, tipo da mulher forte de que fala a Bíblia, deu ao Sr. Angelo uma penca de filhos, se não me engano, nesta ordem: a Maria, pessoa maravilhosa, ponto de referência na família; o Hermínio, o mais vaidoso, portando sempre traje  e cabelos impecáveis, que teve como companheira uma mulher notável, a Dona Lúcia, que já foi objeto de uma de minhas crônicas/ de ambos vieram dois jovens talentosos e cultos, o Angelo e o Paulo de Tarso, meus amigos do coração. Depois vinha a Clarice, moça lindíssima e sempre sorridente, que se casou com o diretor do nosso Grupo Escolar, o Professor Antônio de Barros Chagas, que eu, menino, achava que era o próprio Antônio de Moraes Barros, que dava nome à nossa amada escola. Toda aquela beleza e simpatia partiu deste mundo ao dar-lhe, em troca, o menino José Artur. O sofrimento dos Semeghini doeu em todos nós por muito tempo e aquele lado

Armando Semeghini, o grande "goltipar" do Oeste F. C.

da cidade ficou sombrio e triste por muito tempo. Depois vinha o José (José Semeghini Neto), principal encarregado da Máquina de Café fundada pelo Sr. Angelo.,. Ao José seguiu-se o incrível Armando, “italianaccio” loiro, olhos claros, moço de uma vitalidade fantástica, foi goleiro do Oeste, numa se suas melhores fases; Como ia treinar com sua ruidosa Baratinha, o primeiro “coupé” da Ford, ele ganhou o apelido de Baratinha, o que contrastava enormemente com seu tipo físico avantajado e seu jeito másculo de portar-se. Em toda minha vida nunca vi um goleiro tão corajoso como o Armando, voava nos pés do atacante sem medo e sem recuo. Armando foi, dos Semeghini do lado de baixo do rio, o que teve maior e ruidosa participação nas lidas políticas quentíssimas da Itápolis dos anos que iam de 1945 até 1955. Armando brigava, Armando discutia em altos brados, Armando ia aos comícios dos adversários e vaiava. Este foi o Armando que marcou sua passagem na nossa cidade.  Depois do irrequieto filho de Dona Ida, vinha a afável, doce e discreta Albina, que viveu grande parte da vida na fazenda. E mais uma moça se seguiu a ela, a Angelina, por todos conhecida como Nena, uma das moças mais bonitas daquela Itápolis. Bonita e simpática, Nena casou-se com o Célio Mendonça, moço de outra família numerosa e participante da vida de nosso município. Farmacêutico como o pai e como seu irmão Geraldo, Célio foi nosso professor de Química no curso colegial do Valentim Gentil; e o Célio e a Nena frutificaram e de sua filha Célia, casada com um itapolitano maravilhoso, o Dr. Valentim Gentil, o nosso Tim, nasceu o Lucas, esta riqueza humana que traz brilho  à nossa terra.

Depois da Nena, Dona Ida e sêo Angelo nos deram um dos jovens mais simpáticos e queridos daquele tempo, no nosso bairro e depois em toda cidade: o Antonio Aparecido, conhecido como Tony. Era o xodó de nossas mães, estudava fora e quando chegava de férias, enchia de alegria as nossas casas com sua presença carismática. Tony jogava basquete, Tony passava em tudo quanto é concurso, Tony era um acontecimento naquela Itápolis. Casou-se com a sancarlense Haydée Pozzi, professora de Educação Física do Valentim Gentil e hoje vive na gostosa São Carlos, lúcido e ativo em seus 84 anos, curtindo a família e as lembranças que lhe são claras ao lado da Haydée, da Norma e da Laís.

O mais novo da família, meu contemporâneo de Escola Normal, tinha o apelido de Canoa. Por que isto? Seu nome era Luís Nicanor Semeghini, moço decidido, trabalhador desde menino, casou-se com a moça mais encantadora da cidade, naquela época, a jovem Nair Fiani, irmã de outra lindeza, a Nadir. Na época de seu casamento eu me despedia da minha terra, pra ir buscar a universidade. E foi com enorme tristeza que recebi a notícia , em carta de minha mãe, dando conta que meu colega Nicanor nos tinha deixado, viajando “antes do combinado”, como costuma dizer o Boldrin.

Ainda vai ter mais dos Semeghini, podem esperar. Porque Semeghini lembra Brunelli, lembra Gentil, lembra Micheletti, lembra tantas famílias! O problema é saber costurá-las neste tecido humano gigantesco de nossas lembranças itapolenses!