Orestes Nigro
 

Histórias que não foram escritas

 

Diário de Itápolis - Família Scaramuzza

Tal pai, tal filho é uma expressão que vem de longe, de tempos imemoriais.  Na velha Itápolis tínhamos muitos exemplos disto. Famílias inteiras tinham seus membros dedicados à mesma profissão. Nos idos anos 30/40 se você saísse de casa para comprar carne, por exemplo, dificilmente você iria escapar de um açougueiro que não fosse da família Scaramuzza. Eles dominavam o mercado da carne, com três estabelecimentos: um na Avenida XV de Novembro (atual Valentim Gentil), no quarteirão que vai da Rua José Bonifácio (hoje, José Trevisan) até a Rua 13 de maio (agora, Antonio Riccieri Vessoni). Este era comandado pelo patriarca da família, o Sr. César Scaramuzza, que tinha a casa quase na esquina da 13 de maio e o açougue colado nela, quase à beira do riacho. Se você morasse lá pelos lados da igreja Matriz, você provavelmente iria a um açougue situado na Praça Cônego Borges, então chamada “Largo da Matriz”, do lado da Rua Padre Tarallo. E ali você iria encontrar outro Scaramuzza, filho do Sr. César. Era o Zeca (José Scaramuzza Sobrinho) , casado com a Dona Albertina, que na verdade tinha no registro o nome de Mathilde Vitória Alves Scaramuzza, mas só no registro, porque acho que até ela mesma não se lembrava mais deste nome. Dona Albertina e o Zeca tiveram três filhos, sendo que só um sobreviveu, o Antonio, conhecido como Tonhão, dado seu porte avantajado; Tonhão era grandalhão, com jeitão de italiano espalhafatoso, no bom sentido. Mas naquele moço barulhento que gesticulava ao falar, batia um enorme coração. O Tonhão era muito querido porque era bom! Quando a gente era criança, quantas vezes ele nos levou pra passear no seu semi-trole, mesmo cansado de um dia de trabalho com seu gado. Tonhão e seu pai tocavam o açougue do largo da matriz, onde funcionava também o Correio e o ponto de carroças e charretes. 

Década de 1950-1960 - No Porto de Santos, da esquerda para a direita: Nilo Pace, Carlos Scaramuzza (Carlin), Alair Paganini, Severino Piancatelli, ??, ??

Os moradores lá dos lados do Jardim (como nós chamávamos a Praça Pedro Alves de Oliveira) tinha a opção de comprar carne num açougue situado na antiga Rua Rui Barbosa, atual Odilon Negrão. Este açougue ficava no quarteirão entre a Valentim Gentil e a Francisco Porto. E quem tocava este açougue? O conhecido Carlin. Carlos Scaramuzza, casado com dona Maria Berti, pessoa muito recatada, quase não era vista fora de sua casa, pegada ao açougue. O Carlin e a dona Maria tiveram vários filhos: Adalberto, Carlos, Holanda, a única que ainda mora em Itápolis, Magali e Tarsila.

O Sr. César, originário da região de Trieste, norte da Itália,  e dona Paulina (de nascimento Paula Barelli) tiveram muitos filhos. Pela ordem eram a Raquel, o Henrique, o Zeca, o Joanin, que se apartou da família e constituiu família em Novo Horizonte, a Teresa, o Carlin, a Maria e o Abílio. Destes o Henrique dividia o trabalho do açougue com o pai. O Zeca tinha uma peculiaridade, mancava de uma perna, atrofiada por um espinho de macaubeira, O Carlin também  tinha um problema num dos pés, parece que foi por causa de um acidente com o gado da família. O Sr. César e dona Paulina tiveram mais um filho, o Antonio, que morreu atropelado. Dona Paulina, nos fins de tarde, costumava ficar no portão de sua casa vendo o movimento dos passantes. Ao lado da sua filha Maria, puxava papo comigo e me contava todas estas coisas que eu sei e guardei na memória.

De todos eles, o mais próximo de nossa família era o Sr. Henrique. Ele morava numa casa bem grande na esquina da Av. Valentim Gentil com a Rua Bernardino de Campos, defronte à casa de meu Nono, Nicola Nigro. Como todos da minha família freqüentavam bastante a casa do Nono, o Sr. Henrique, a dona Nina , que se chamava Letícia Vessoni em solteira, eram mais chegados a nós. Tiveram seis filhos, duas mulheres, a Maria e a Ana, esta falecida bem jovem, vitimada por pneumonia dupla, fatal naquele tempo em que ainda não existiam os antibióticos, os irmãos Cesarino, Valdemar e João, e o Antônio, falecido bem jovem num acidente. Dos Scaramuzza a família do Sr. Henrique era a mais apegada à religião e me lembro bem dos altares maravilhosos que dona Nina  e os filhos Valdemar e João montavam para a passagem da procissão do enterro de Cristo. Eles ajudaram a criar um dos filhos do Cesarino, o menino Adalberto, que era portador de uma grave doença cardíaca que lhe ceifou a vida muito jovem ainda,

Os Scaramuzza mais próximos de minha casa eram o Zeca, a Dona Albertina e o Tonhão, que dava um show todo fim de tarde, quando vinha de seu sítio, lá pelos lados da Roseirinha. Ele vinha no seu semi-trole, uma espécie de charrete rústica, com rodas de carroça, numa corrida maluca, que começava logo na entrada da cidade, em frente a venda dos Bifi. Descia a 13 de maio numa velocidade incrível, sua mãe, dona Albertina corria abrir o enorme portão que dava para o quintal ao lado da casa, O Tonhão chegava naquela balada, fazia a curva espalhando poeira (Itápolis não era calçada ainda) e entrava direto naquele quintal. Era um espetáculo que valia a pena ver. Mais tarde o Tonhão resolveu vestir um terno e levar pra igreja a jovem irmã dos irmãos Cardilli, a Dona Mafalda, com quem teve os filhos: Maria de Lourdes, Mathilde Helena, Marilza Teresa e os gêmeos José e Marta Regina.

Os Scaramuzza, com o tempo, se espalharam. Alguns moram em São Paulo, tem Scaramuzza em Borborema, em Itápolis, em Iacanga, a Marilza, neta da dona Albertina e bisneta da simpática e comunicativa Dona Paulina. Mas a dona Paulina tinha também seu filho dileto, seu caçula , o Abílio. O Abílio foi o único que levou os estudos avante e, por isto, era o orgulho de sua mãe, além de ser um jovem muito simpático, querido, moço de fino trato, que se casou com a bonita Diva Zanatta, que deram dois netos à vó Paulina: a Bárbara e o Abilinho.

O tempo foi levando embora os mais antigos da família, mas, enquanto estiveram vivos, estes Scaramuzza movimentaram bem nossa cidade. Tenho clara lembrança de todos eles, e uma saudade imensa desta brava gente!