Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Saídas e Saideiras

 Nossa cidade dos velhos tempos tinha ruas cuja referência era serem saídas para as jardineiras, que mais tarde viraram ônibus. Tínhamos a saída para Araraquara, que era ao lado da velha Caixa d’Água, estrada que começava na Avenida da Saudade, agora Frei Paulo Luig, entre as avenidas Francisco Porto e Campos Salles. Hoje temos aquela simpática pracinha, difícil de atravessar e a estrada ali já virou rua. Hoje tem um bar movimentado que dá vida ao pedaço, mas, naquele tempo, diferente das outras saídas, não havia ali nenhum  boteco para a saideira.

1964 - Rua Pe. Tarallo, esquina com Av. José Belarmino, local conhecido como "Buraco Quente"

Quem ia pra Borborema, Novo Horizonte, pegava a estrada que saía ao lado do Bambual, ponto de referência da Vila Nova, mas podia tomar a saideira na venda do Granucci, sempre movimentada, com suas prateleiras ricas em destilados, vinhos populares e vinhos de laranja de fabricação do Butarello, bebida importada do Quadro. Quem saía para os lados de Itajobi, podia parar no empório do Primo Zagatti, do seu vizinho Fiani ou do Frangiotti. Quem saía pra Ibitinga tinha o famoso “Último Gole”, um pouco antes do Matadouro,  que à noite era freqüentado pela elite dos paus d’água. Na saída de Tapinas você podia escolher entre o bar do Mão de Onça e o botequinho do Brás. No extremo da rua 13 de Maio, atual Ricieri Antônio Vessoni, a saída era para sítios, fazendas e a famosa Roseirinha, tão familiar aos irmãos Fortuna, nossa querida dupla de sucesso, Euclides e José, os Maracanãs. Ali também dava pra tomar a saideira, não era um boteco, nem mesmo um bar, era um empório destes que têm de tudo, a venda dos Biffi.

A saída de Taquaritinga, onde reinavam as jardineiras e os ônibus dos Gonçalves, era pelos altos da Campos Salles, aliás passando pela garagem e oficina de manutenção deles, e virando para os lados do atual Clube de Campo, que, naquele tempo ainda não existia. Nâo me lembro de nenhum bar ou boteco que servisse de parada obrigatória naquela saída.

Agora, a saída mais popular, mais movimentada e mais pitoresca, era a saída de Tabatinga. Primeiro porque era uma saída dupla, acompanhavam-se por um bom trecho os trilhos da EFD (Estrada de Ferro Douradense) e a estrada de rodagem. Mas, aquele canto da cidade era rico em atrativos. Tínhamos o nosso velho Cemitério, que os imigrantes italianos chamavam de Campo Santo, tínhamos os armazéns do DNC (Departamento Nacional do Café), movimentadíssimos por armazenar as ricas safras das fazendas que rodeavam Itápolis, com suas colônias, suas tulhas imensas, depois desativados e arrematados pelo meu cunhado Jacintho Mazzo, que lhes deu vida nova, com oficinas, loja de material de construção e sua indústria de metalurgia.

A saída de Tabatinga abrigava também a Zona do Meretrício, vamos simplificar, as casas das “raparigas”, que era a palavra mais apropriada para se referir às putas da cidade. A mais famosa, diziam, a mais atraente era uma tal de Esmeralda, que se vestia de verde e que era uma ameaça aos felizes lares de jovens casais. A “zona” era tão discriminada que o rapaz que enveredasse praquelas bandas logo levava a pecha de “cafajeste”, mal falado, as moçoilas fugiam do sujeito mais rápido que o diabo da cruz. Tanto assim que nem eu, nem nenhum de meus colegas e amigos de juventude jamais se aventurou praquelas plagas.

A saída pra Tabatinga levava, pelo duplo caminho ao sítio mais comentado da cidade, o sítio do Malaspina, onde, nos sábados, aconteciam quase sempre os bailes ao som da “ventosa”, a sanfona que alegrava os freqüentadores do campo e da cidade. Uma mesa no centro do recinto, em cima o sanfoneiro na sua cadeira e o arrasta-pé avançava noite adentro, divertindo os participantes dos bailinhos inocentes que os mais irreverentes chamavam de “briga de porcos” ou de “bate-saco”.

Quem daquele tempo, ainda vivo, não participou dos arrasta-pés do Malaspina?

E pra completar a lista de atrações da saída de Tabatinga, tinha ou não o boteco da saideira? Ora se tinha, e não podia deixar de ser o mais famoso, o conhecido Risca-faca! Precisa explicar o nome?