Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"Figuras Inesquecíveis - Bil e Roncão"

            Na minha mais tenra Itápolis, quando a chamavam de “fim de linha”, sempre apareciam tipos humanos que se destacavam pelos lances, pelas tiradas, pelas reações excêntricas, traços de personalidade que não escapavam ao crivo crítico, aos comentários jocosos e à criação de apelidos por parte  do Zé Povinho. Em crônicas passadas já mencionei alguns personagens que se notabilizaram por sua criatividade, por seu espírito zombeteiro, por sua alguns comentários “de placa”. E temos mais alguns lances dignos de serem registrados nestas estórias que venho abordando.

            Será que alguém se lembra do Bill, um moreninho simpático e trapalhão, que trabalhava na barbearia do Zezé Celli? O Bill era dessas criaturas que a gente costuma taxar de “simplório”. Bill acreditava em tudo que lhe diziam, era desses que você manda ver se você está na esquina e ele vai. Em o Zezé não perdia chance de tirar uma quando a ocasião se lhe oferecia. Eu era freguês da barbearia e presenciei muitas tiradas do Zezé. E uma vez ouvi o sátiro barbeiro ordenar: “Bill, liga lá na casa do Dr. Marinho e pergunta se já instalaram o telefone lá. É só pedir pra telefonista que ela liga!” O ingênuo Bill acionou a manivelinha do telefone e pediu: “Liga na casa do Dr. Marinho!” Logo uma voz do outro lado perguntou: “Alô, que que você qué?” E o Bill lascou a pergunta: “Já instalaram o telefone aí?” Esperou a resposta, desligou e informou ao seu patrão: “Olha, Sêo Zezé, a empregada disse que o Dr. Marinho saiu, a Dona Nininha e a Dona Nonoca foram na igreja, que é pra ligar lá depois, que ela não sabe não!”   Toda freguesia caiu na gargalhada, só o Zezé, como de costume, não riu. Dirigiu-se ao Bill, dizendo: “Olha Bill, eu acho que ligaram sim, senão como é que a moça atendeu?” O comentário do Bill ficou na história: “Ela não sabe não, Sêo Zezé, ela não sabe ler, eu conheço ela”.

            Ficando mais um pouco naquela barbearia, também pude ali presenciar outra cena curiosa. Numa certa manhã, entra pra cortar o cabelo, o Roncão. Foi muito festejado, pois fazia mais de um ano que tinha deixado a cidade, onde era muito popular, para tentar uma vida melhor na Capital. Zezé o acomodou na cadeira e começaram a conversar. Roncão, que tinha esse apelido porque ia ao cinema quase toda noite e mal começava o filme, dormia pesado e roncava que dava gosto, perguntava sobre as novidades da terrinha e o Zezé queria saber como ia a vida dele na cidade grande. Perguntado sobre o que estava fazendo em São Paulo, Roncão, que em Itápolis vivia de bicos, encheu o peito e surpreendeu a todos os presentes: ”Eu estou estabelecido na Praça da República!”. Naquele tempo, quem tinha uma loja, um bar, um estabelecimento comercial enfim, dizia que estava estabelecido em tal lugar, em tal rua ou esquina. Roncão impressionou, porque, pra início de conversa, apareceu vestindo um terno novinho, camisa, gravata e sapato que brilhava tanto que dava reflexo. E diz alto e bom som “Estou estabelecido...” e na Praça da República!? Era uma proeza digna de aplausos. O Roncão cortou o cabelo, fez a barba, enquanto o Bill dava um trato nos seu “pisante” e foi-se embora, deixando para trás o eco de seu sucesso na Capital paulista.

          Passados alguns meses, o Roncão já estava longe da nossa terra, o Zezé Celli, como fazia duas ou três vezes ao ano, viajou para São Paulo. E quando voltou e reassumiu suas funções, naquela  barbearia sempre cheia de fregueses, olhou para nós e perguntou: “Vocês se lembram, quando o Roncão veio aqui, o que ele disse que estava fazendo em São Paulo?” Logo alguém disse: “Claro, ele disse que estava estabelecido na Praça da República, não foi?”.  “Pois é, comentou Zezé. Eu fui lá conhecer o “estabelecimento” dele”. Todo mundo quis saber: “o que que ele tem lá?”,  e o saudoso Zezé: “Uma caixa de engraxate, na calçada em frente a Caetano de Campos. E   com uma plaquinha onde diz: “Engrachate dipromado”, pode?”

        É bom lembrar a todos que a Caetano de Campos era a tradicional Escola Normal que tantas celebridades formou. Hoje o prédio dela abriga a Secretaria Estadual da Educação. E lembrar também que já estava inaugurado em nosso país o crediário a perder de vista, e o Roncão devia ser cliente da famosa Ducal ou  da grande loja “A Exposição”.