Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Ribeirão dos Porcos

 

Voltando ao bairro das 3 Barras, que era banhado pelo Ribeirão dos Porcos, quero falar deste rio que teve enorme importância na nossa região, na minha mais tenra Itápolis. Com sua nascente na Serra de Taquaritinga, o seu traçado serpenteia na nossa região e pode ser visto por quem transita pela Rodovia Washington Luís, na altura do quilômetro 342, também por quem viaja pela Rodovia Laurentino Mascari, próximo a Taquaritinga e também  de Itápolis a Borborema, já abastecendo a Represa da Usina Hidroelétrica, que vai até à ponte da estrada de terra que liga Itápolis a Borborema.

Ali naquela ponte o Ribeirão já atinge uma considerável largura e sua imagem se torna muito bonita. Logo depois de sua passagem sob a ponte surge uma leve curva em cuja margem esquerda havia um frondoso pé de ipê amarelo, sob o qual os pescadores da época criaram um pesqueiro, cevado com carinho por quem ali fosse pescar. O interessante era que o pé de ipê desenvolveu um vigoroso galho horizontal que se esticou até à margem direita do rio. Ali naquele pesqueiro, quando não havia pescadores em ação, a rapaziada podia nadar, pois o leito do Ribeirão dos Porcos era limpo, fundo e sereno. E aqueles que tinham medo de se aventurar na água, podiam passar de uma margem à outra pela via do galho do ipê. Outro elemento natural que enriquecia os pesqueiros daquele trecho, era a vegetação ribeirinha, onde havia inúmeros coqueiros e guarirobeiras, cujos coquinhos, quando maduros caíam no leito do rio para a alegria dos peixes, que eram abundantes naqueles tempos. Aquelas frutinhas eram as preferidas das piracanjubas, peixe prateado que chegavam a pesar até 5 quilos e que, quando abertos pelas cozinheiras, revelavam uma carne lubrificada por uma suave banha amarelada fornecida pelos coquinhos.

 O Ribeirão dos Porcos oferecia uma fauna muito rica de peixes de porte, como os dourados, que chegavam a mais de 20 quilos, os pintados que até ultrapassavam este peso, muito corimbatá, piapara, mandi, bagre, lambaris, piaus, enfim uma grande variedade. E isto atraía muitos pescadores, alguns até vinham de longe; durante as férias de fim de ano, época bastante piscosa, vinham pessoas da Capital que tinham parentes ou amigos na cidade, a fim de pescar no Ribeirão dos Porcos. Chegavam munidos de equipamentos de pesca sofisticados, mas não eram páreo para os pescadores da região.

Papai e seu infalível companheiro, Sr. Antônio Compagno

Vendo-me falar assim, podem até pensar que fui pescador do Ribeirão; pescador não, mas carregador de tralha fui sim. Meu pai era pescador dos mais famosos do pedaço e pra mim sempre sobrava acompanhá-lo pra carregar o fecho de varas, a maleta de linhas, chumbadas, anzóis, o que não era fácil. E eu não podia pisar forte no barranco que “Espanta os peixes, pisa leve!”. Uma vez fomos meu pai, o Sr. Antônio Compagno, seu companheiro infalível, e o Professor René Mallet, genro do Sr. Compagno, e eu, claro. O Professor René raramente ia às pescas, por isto seguia a orientação do sogro. Primeiro o Sr, Compagno determinou: “Senta aqui neste pesqueiro e espera, beliscou a isca vc dá um puxão!” E foi pro seu lugar. Passada uma meia hora, de um daqueles dias ruíns de peixes, o Sr. Compagno foi falar com o Professor René: “Como é, ta pegando bastante?” e o genro diz: “Nada, Sr. Antonio, até agora, nada!” O Sr. Compagno fica bravo: “Também, você fica aí sentado, o que quer? Que os peixes pulem no seu colo? – Vai bater vara. Vê se anda um pouco!” E lá vai o paciente professor em sua andança pelos barrancos do Ribeirão. Passada mais meia hora os dois se encontram e o Sr. Compagno: “Como é René, tá pegando agora?” e o professor: “Nadinha, Sr. Antônio!, nem beliscam!” e leva outro pito: “Também pudera! Você não para no lugar!” O Professor René olhou pra mim e fez aquela cara de quem diz: “Afinal, eu fico sentado ou fico andando?” e saiu sorrindo pro seu canto.

Usina Hidroelétrica do Ribeirão dos Porcos, às margens da estrada de terra que liga Itápolis a Borborema, em funcionamento até os dias de hoje

Uma das idas ao Ribeirão, em que eu fazia as vezes de carregador de tralha de pesca, andando pelos barrancos pra atender meu pai, começou uma ameaça de temporal, com vento soprando e o céu escurecendo. Meu pai então gritou: “Vamos pra Usina, corre que vem tempestade!” E corremos pelo barranco, atravessamos a estrada, a ponte e entramos no terreno da Usina. E mal entramos em seu recinto, desabou aquela chuva brava, destas que roncam e amedrontam. Ali dentro meu pai disse que não tinha nenhum perigo, pois havia equipamentos para neutralizar os raios. E eles começaram, não pegavam a gente, mas os estrondos eram de meter medo. E era uma descarga atrás da outra. Eu estava apavorado! De vez em quando um raio mais forte derrubava a luz, e o Itamar Mauruto, funcionário da Usina, mal a chave geral caía, ele a recolocava no lugar, fazendo voltar a luz. Enquanto tudo isto acontecia, no meio daquela tormenta interminável, o rádio do Sr. Chiquinho, o encarregado da guarda da Usina, tocava “Fascinação”, o grande sucesso do Carlos Galhardo na época. Aquele temporal danado e aquela voz cantando, fui pegando uma raiva daquela canção de sucesso, que por muito tempo, quando por acaso a ouvia, tapava os ouvidos. Aquela ojeriza à canção só me foi tirada pela voz  maravilhosa de Elis Regina, que  resolveu relançá-la e a tornou uma das coisas mais deliciosas de se ouvir. Por muito tempo também nutri um medo irracional de chuva e nunca mais quis nem ouvir falar em pescaria.