Orestes Nigro
 

Histórias que não foram escritas

 

Diário de Itápolis - Recordações

O Jantar dos Itapolitanos do dia 20 de novembro último reavivou em mim a lembrança de certos episódios que pontuaram minha vida naquela tenra Itápolis.  A visão da Iracema Mendes, a Ceminha, filha do Sr. Lázaro Mendes, chofer de praça (como eram chamados os taxistas de então), que  deixou muitas histórias. Uma delas se refere à sua predileção pelo cantor e

Ponto Central de Automóveis, que funcionava no pátio onde hoje se acha a Casa Paroquial, na Av. Pres. Valentim Gentil, esquina com Rua Padre Tarallo.

Da esquerda para a direita: Constantino Rípoli, no fundo o menino Ludovico Del Guércio, José Picoreli, Antonio Mussupapo, Mário Bergamaschi e Antonio Pedro de Oliveira

sanfoneiro Luís Gonzaga, que alguns chamam de Luís Lua. O José Astolphi, naquela época morador de Tapinas, contou, na barbearia do Zezé Celli, que um parente dele tomou o “carro de praça” do “Lazo”Mendes, pra ir com a família a um casamento em Tapinas. Como tinha pressa de chegar resolveu gastar mais e não esperar a jardineira que só partia no fim da tarde, e contratou viagem, recomendando rapidez.

 

E lá se foram pela estrada de terra, soltando poeira entre retas e curvas. E o Lazo corria como nunca, tudo ia bem. Mas na “dobrada” da Fazenda Santa Maria, rodado um pouco naquela reta, começaram a ouvir o som de um daqueles rádios de pilha, que vinha da casa de um dos colonos. O Lazo deu uma freada brusca, encostou mais ou menos o carro, deixou o volante, saiu do carro, pousou o cotovelo no capô e, sob o olhar atônito e indignado do freguês, decretou: --Ói gente! Enquanto não acabar este baião, enquanto o Luís Gonzaga estiver cantando, eu não sigo não! Péra mais um pouco, depois eu toco viagem!

Ao ver e abraçar a Darly Scornaienchi, lembrei-me de uma passagem dramática que tive com a mãe dela, Dona

Embalagem da famosa lâmina

Natalina, minha professora do 4º ano do Grupo Escolar. Dona Natalina era brava, enérgica, seu olhar estilava austeridade, com ela ninguém brincava. Eu não brinquei não, pois tinha muito medo do seu olhar glacial. Mas aconteceu que eu ganhei de um amiguinho que viera de São Paulo, uma novidade, uma gilete “Thin”, a lâmina dourada! Aquilo me fez achar-me importante, ninguém na classe tinha uma daquelas. E a “Thin” andava de mão em mão, os cochichos se multiplicavam, dona Natalina foi-se irritando com aquilo e “nhac”, não é que ela tomou a gilete dourada? a minha preciosidade?  Fiquei desesperado, pedi de volta, implorei, quase rastejei pra que minha jóia rara voltasse pras minhas mãos. Dona Natalina colocou lâmina sagrada sobre sua mesa, colocou em cima um mata---borrão e disse alto e bom som: “Esta lâmina, motivo desta farra, vai pra minha casa e só volta pra mão do dono no último dia de aula do ano!” Eu sonhava com minha gilete dourada, tinha pesadelos onde ela aparecia toda quebrada, mas tive que esperar pelo fim de novembro de 1943.

E o dia tão esperado chegou! Dona Natalina, professora respeitada e respeitável, cumpriu a promessa e me fez uma agradável surpresa: convidou-me a ir buscar a jóia rara em sua casa, no lanche das 4 horas da tarde. Passei o dia numa ansiedade maluca, até que chegou a hora de ir praquela chácara deliciosa, que o Sr. Nicola Scornaienchi transformou num recanto do Paraíso. E assim fiquei conhecendo o marido e os filhos da minha professora do 4º ano, o Disney e a Darly, agora ali na minha frente, sem saber que minha mente estava na chácara onde ela se criou, entre árvores frutíferas e folhagens magníficas, o cantinho acolhedor situado lá pelas bandas do Campo do Oeste F.C.

Recuperei a minha relíquia, mas já não era tão rara assim! Passados tantos meses, as lâminas douradas estavam nos estojos de muitos colegas, até achei uma jogada na calçada do Grupo.