Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"Quem chega lá é que sabe"

Desde que eu entrei nos meus sessenta anos e lá vão vinte, que as pessoas amigas, alguns ex-alunos ainda cheios de vida, procuram sempre me convencer que não estou velho. Alguns dizem, convictos, “Velhice é coisa de cabeça, você não está velho não!” Outros, generosos e simpáticos, logo despejam admiração e elogios à minha “incrível disposição, lucidez admirável, impressionante adaptação ao mundo moderno”...e dizem: “Você lida com tudo que é atual, computadores, celulares, domina as novidades tecnológicas!” E por aí vão os discursos dos que, ainda cheios de vigor, procuram desmistificar a consciência da velhice.

Quem chegou lá e vive o dia a dia dos setenta, oitenta, noventa anos é que pode dizer se isto é assim mesmo ou não. Disposição, lucidez, atualização ajudam muito a atravessar esta fase, ajudam, mas não eliminam, nem mesmo atenuam o peso que a idade joga sobre o nosso corpo. Você não ouve tão bem como ouvia, os olhos já não lhe trazem as imagens com a nitidez de outrora, o sono não vem mais na hora de sua antiga rotina, você precisa fingir de herói para não demonstrar cansaço, irritação causada por aquele sono insistente que chegou fora de hora, diante das visitas. Isto tudo quando não vem a secura na boca causada pela diabete, as dores nas juntas causadas pelas artroses, artrites e outras artes dos músculos, nervos, ossos, agora sempre ameaçados por um leque de transtornos físicos, osteoporose, tendinite e outros ites.

O segredo do velho é andar atento, tomando cuidado para não derrubar as coisas, para não ter que abaixar, ah como é duro ter que abaixar, meu Deus! O velho tem que acostumar a guardar as coisas em lugares de fácil acesso, porque subir escadas é dureza, além das pernas tremerem, a sensação de que vai ter uma vertigem é muito frequente. Conforme a idade avança, é aconselhável que se alarguem as portas da casa, que se substituam os degraus por rampas, pois nunca se sabe se não vai ser preciso andar em cadeiras de rodas. Você brinca com os netinhos muito bem, faz serra-serra, cavalinho nos joelhos, no pescoço, nas costas, mas com bisnetos não já não vai haver estas regalias, o serra-serra dura três ou quatro idas e voltas, o cavalinho logo faz você ficar admirado de como seu bisneto, sua bisnetinha cresceram!

Além de tudo isto, são poucos aqueles circunstantes que não o vêem como velho! A maioria sabe que você está velho e como velho deve ser tratado. Senão veja que presente você pensou pro seu “vovô” que vai fazer 75. Será que não é um cachecol, um boné, uma bela camisa de flanela, um par de pantuflas bem confortáveis. E as piadinhas que nós inspiramos? Uma das melhores é aquela das bodas de ouro! Você ganha uma festa maravilhosa, veste-se de noivo, troca as alianças e nos convites para a cerimônia pode-se ler: “a lista dos presentes, encontra-se na Drogaria da Praça!” E dê-se por muito feliz se ficarem neste tipo de piadinha.

Posso dizer a vocês todos, com a autoridade de quem há tempos vem vivenciando este tema, que a velhice existe! E quem chega à velhice terá muita sorte se contar com amigos de fato, com uma família composta de pessoas normais – normais que eu digo são aquelas criaturas que amam o seu próximo, que têm respeito pelos mais velhos, que não perdem a consciência de que um dia alcançarão a condição de idosas e assim sendo lhe dedicam cuidados sem humilhá-lo a todo instante, sem deixar perceberem que você as irrita e as constrange. Calor humano é bom em todas as idades, mas é muito mais valioso na infância e na velhice.

Para concluir quero revelar-lhes que me sinto profundamente humilhado, dada a minha condição de idoso, quando ouço, nos meios de comunicação, seja TV, rádio ou discursos, dizerem com pose doutoral que “o Brasil está virando um país de velhos, que a perspectiva de vida aumentou muito e por isto a Previdência vai ter graves problemas financeiros!  Na verdade estas pessoas, estes órgãos de estatística, estes institutos sócio-econômicos  estão lamentando que continuemos vivos, talvez até torcendo para que sejamos logo sepultados e assim deixemos de ser um peso para a nação. A eles e elas que assim pensam a Nação, deixo uma sugestão: ajudem a salvar o futuro do Brasil, suicidem-se!, deixem os velhinhos e as velhinhas partirem quando Deus nos chamar!