Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Diário de Itápolis - Propagandas

Ainda falando de aviões e teco-tecos, lembro-me bem de quando os comerciantes do Interior, principalmente  na nossa região, abandonaram  os reclames pelo canudo, o “megafone” movido ao peitoral, que foi muitos e muitos anos empregado pelas casas de comércio para propagar seus produtos, suas promoções. A loja que mais o utilizava naquela tenra Itápolis, era a Casa São Luís, do Manoel Jurema, genro do Sr. Salvatore Monzillo. As Casas Pernambucanas também o empregavam com grande alarde. Mas os tempos foram mudando e logo depois que acabou 2ª Guerra Mundial, em maio de 1945, suspendeu-se o racionamento da gasolina, os carros voltaram a circular já sem aquele monstrengo do gasogênio na traseira, e os teco-tecos podiam voar, fazer acrobacias nos céus e também espalhar pelos ares os volantes de propaganda, que desciam do céu verdes, rosas, amarelos, azuis, numa festa colorida que fazia a alegria da criançada. O Bazar 77, de Araraquara volta e meia salpicava o céu da nossa cidade com os volantes coloridos.

Sal de Frutas ENO - também usado como refresco

 

Mas, o mais interessante desses sobrevôos aconteceu, por volta de maio de 1946. Dois teco-tecos, um azul e outro amarelo, chegaram ao nosso céu, dando rasantes, fazendo estardalhaço, chamando o povo para as ruas. E quando estas estavam repletas de curiosos olhando para os céus, começaram a lançar pacotes contendo um produto novo. Era o lançamento de um novo produto farmacêutico, o SAL DE FRUTAS ENO. Todo mundo conseguiu pelo menos um frasco médio do Sal de Frutas ENO. E todos foram, seguindo a bula, experimentar o novo sal que traria “enorme bem estar para seu estômago”! Foi um sucesso. E virou moda, Em pouco tempo deixou de ser utilizado como remédio e passou a ser uma atração social. Eu explico.

Depois as propagandas aéreas eram feitas com banner

Naquela época ainda eram raras as famílias que dispunham de uma geladeira, coisa de gente rica. Mas o calor que é característico de nosso clima já reinava impiedoso. A gente apelava para os vizinhos ricos, quando havia intimidade para tanto. Enquanto a mãe da gente espremia os limões, alguém ia no vizinho afortunado e voltava trazendo, na caneca de alumínio, uma forma de gelo para a limonada. O sal de frutas veio quebrar esta tradição. Gelo não era mais o alívio ao forte calor. Em certa altura da visita, alguém da casa surgia com uma bandeja cheia de copos com água borbulhante e meio esbranquiçada e oferecia: “Aceita um refresco de Sal de Frutas?” E o refrigerante que caiu do céu era servido! Quem não aceitasse era carimbado de “do contra”, expressão que o laboratório do Eno adotou nas suas propagandas. “Eu não sou do contra, eu tomo sal de frutas Eno”!  Você não acredita?

Isto não é nada! Naquela época foi lançada uma coleção de utensílios de alumínio toda polida, luzente e bem acabada, que era acompanhada de uma estante com várias prateleiras, que iam diminuindo de tamanho conforme passavam pra cima. Pois é, estas estantes passaram a ser troféu de decoração nas casas, davam status à dona de casa, por isto, ficavam na sala de visitas, com o mesmo papel de adorno que os vasos de flores, os relógios de parede ou de mesa, as toalhinhas bordadas e com biquinhos de crochê. Naquela época ainda não se usavam, senão raramente, os sofás e as poltronas estofadas. As casas mais bem decoradas tinham as poltroninhas e as “namoradeiras” em vime. Mas a esmagadora maioria das casas oferecia cadeiras comuns, recostadas as paredes da sala, com uma mesinha de centro pequena, onde um vaso de flores naturais fazia as honras da casa. Ainda não conhecíamos o  plástico e seus derivados. Os forros das casas mais simples eram de pano de fazer colchões, os colchões eram recheados de palha de milho, de crina de cavalos, os travesseiros  de paina, de penas de galinhas. Fazia-se em casa o sabão de soda ou de cinza, o pão, a lingüiça, o queijo. Poucos buscavam estes produtos no comércio.

Era um outro mundo, um outro modo de viver, onde cabia alumínio enfeitando a sala de visitas e o refresco era de sal de frutas, aquele que caiu do céu! Muito natural!