Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Diário de Itápolis - Professores

O pessoal maravilhoso do Arquivo VG, página criada no Orkut para reunir fotos que se relacionassem com a história da nossa EE Valentim Gentil, que já foi Ginásio Estadual, Escola Normal, Colégio, Instituto de Educação, EEPSG, volto a dizer, este pessoal fantástico nos reconduziu aos mais remotos anos da trajetória de nossa querida casa de ensino. Já teci aqui várias considerações sobre a escola. O

Prof. Aureliano Castelar de Franceschi
Diploma de Honra ao Mérito da Câmara Municipal de Pirassununga conferido ao Soldado Constitucionalista, Aureliano Castelar de Franceschi

que quero destacar agora é o seu lado humano, seu lado pitoresco, as passagens que marcaram época, os personagens cujas tiradas, cujos comentários jocosos, cujos atos cívicos ficaram gravados em todos que de um modo ou de outro participaram da história daquela casa.

Primeiramente quero registrar a impressão principal que ficou indelével em minha memória: a excelência do ensino, o alto nível intelectual dos mestres, o ambiente que exalava cultura. Uma aula de português com o professor Aureliano Castelar de Franceschi dava ao aluno a sensação de já estar cursando a universidade. E assim era com as demais aulas ali ministradas.

  Hoje quero destacar um personagem do Valentim Gentil que mais lembranças e saudades deixou entre alunos de mais de três décadas: WILLIAM  TAMERICK, um homem de aparência tranqüila e de espírito alegre. O Professor Tamerick era oriundo de um país distante e pouco conhecido entre nós, a Estônia, nação báltica encravada na Europa Setentrional, identificada racial e culturalmente com seus vizinhos a Letônia e a Lituânia. Mas, por que um estoniano, de língua pátria fino--úgrico viria a ser nosso professor de Inglês? O professor Tamerick emigrou primeiro para a Inglaterra, onde por alguns anos de sua juventude trabalhou como mecânico e freqüentou escolas da cidade onde morava. Raramente ele falava de sua vida particular, era um homem reservado; seus filhos, quatro, duas moças e dois rapazes, assim como sua esposa, eram pessoas de certa retração social, muito educados, diga-se, mas de pouca movimentação social; estas informações, apesar disto, era o próprio professor quem nos passava durante suas aulas.

Certa vez, quando ensinava palavras como “árvore, floresta, mato, selva”, o professor nos contou que em sua terra havia árvores gigantescas, algumas tão grandes que eram necessários dez ou mais homens para abraçar-lhes o tronco. No momento em que ele descrevia o enorme tamanho das árvores estonianas, ele percebeu que o aluno Milton de Oliveira, também como conhecido como Mazzaropi, pelo seu talento humorístico, o Milton olhava atentamente pela janela, como quem quisesse identificar alguma coisa. O professor Tamerick então perguntou: “O que está vendo sêo Oliveira?”,   e pra sua surpresa ouviu: “ Estou vendo o ponteiro de uma árvore aparecendo atrás da mata do Ciniro, será que não é a ponta de alguma árvore lá da Estônia, professor?”. Foi uma gargalhada só na nossa classe. Mas o fleugmático professor não se abalou, olhou pra classe, abriu um sorriso e corrigiu o Milton: “Ora sêo Oliveira, a Estônia não fica deste lado aí, a Estônia fica pra cá!” e apontou para o lado oposto.

Calmo e seguro no contato com os alunos, Tamerick, embora não ´parecesse, estava atento a tudo, nada lhe escapava. Certa feita, tomando um diálogo apresentado por dois alunos, que se apresentavam às costas dele, junto à lousa, sem ter virado uma única vez pra trás, o incrível professor interrompeu os dois, dizendo: “Vão os dois sentar, vão, estão lendo muito mal a cola” – E os dois estavam com as colas do diálogo realmente nas palmas de suas mãos.

O espaço que tenho neste jornal, apesar da generosidade da Izilda, não daria nem para um décimo das histórias deste mestre tão amado pelos alunos de todas as décadas de sua carreira. Quando me lembro de sua figura, a saudade aflora e me impele a um pensamento de gratidão, que se resume num silente “Obrigado, professor” Obrigado por sua alegria, por sua arguta Inteligência, por sua simplicidade e pelo inglês que aprendi e que me valeu ingressar na USP sem ter que estudar um dia sequer sua matéria!