Orestes Nigro
 

Histórias que não foram escritas

 

Diário de Itápolis - Professores

Você é que pensa que eu aprendi a falar francês como gente grande lá na Faculdade de Filosofia da USP, você é que pensa. Eu já cheguei na Faculdade, curso de Letras e Línguas Neolatinas, falando francês com boa fluência; cometia lá meus errinhos, mas impressionei positivamente meu professor catedrático, Monsieur Bonzon e seu assistente Monsieur Havelka. E tudo aprendido em Itápolis, no Ginásio e Escola Normal Valentim Gentil, desde antes de nossa escola se transformar no brilhante Instituto de Educação. No primeiro semestre de 1945 a gente tinha como mestre do francês o Professor Mello, que a turma chamava de Monsieur Mellô, e a partir de agosto daquele ano com uma professora mocinha, tipo “mignon”, pele rosada, olhos vivos, anteninha sempre ligada e brava, ah, mas brava mesmo! Brincasse com ela e ia ver! Era a Dona Dalva, vinda da então distante São Carlos, onde foi aluna de um francês afamado no Interior, Monsieur Fauvel (se pronuncia Fôvel). Dalva Nery, era enteada do nosso diretor de então, Professor Dr. Juvenal Jacques, bem mais bravo do que ela; acho mesmo que ninguém naquele colégio, nem aluno, nem professor, nem funcionário terá visto aquele diretor dar um sorriso. Dona Dalva impressionava pela graça e pelo rigor e fez escola  e fez muita gente chegar na Universidade falando francês.

Quem é Rei não perde a Majestade, sua presença continua marcante

Dª Dalva, por ocasião do reencontro do 80 anos da Escola Valentim Gentil

Dª Dalva, na década de 1960, época em que já era Diretora da Escola

O Francês, com maiúscula, pois era nome de disciplina escolar, era uma matéria de grande importância no currículo de então. Já começava na 1ª série, acompanhava o aluno até à 4ª série do ginásio; e se o aluno seguisse o colegial, tanto o Científico como o Clássico, o Francês iria acompanha-lo nos 3 anos de curso. E eram 3 aulas por semana! Com uma professora bem formada e rigorosa como dona Dalva, o jeito era aprender. Quem gostava da matéria se esbaldava, logo estava lendo, escrevendo e falando a língua francesa. Os que não gostavam ou eram indiferentes, assim mesmo aprendiam muita coisa. Tanto assim que quando encontro velhos amigos, que não eram muito chegados no francês, todos eles foram capazes de relembrar poemas, frases, canções que aprenderam com Dona Dalva.

Era o ensino de então, era a escola pública fantástica do nosso tempo. Os que tinham maior atração por matemática, física, química, ou por história, geografia, ciências, e se dedicavam, tornaram-se ótimos alunos em seus cursos universitários e excelentes profissionais. Temos exemplos de excelentes alunos do Valentim Gentil que se destacaram no meio acadêmico e nas profissões que abraçaram, como é o caso do Adelino Pereira Filho, o Adelininho, como é chamado  carinhosamente, brilhante no campo da medicina nuclear; Ernesto Furlan, irmão do Geraldo, que, em vida, foi um grande odontólogo, dentista de profissão e grande pesquisador no campo dos experimentos odontológicos, onde fez nome e angariou seguidores; tivemos muito itapolitano fazendo bonito por este mundão a fora.

Outro dia, conversando com o Carlinhos Gigliotti, filho da terra, que hoje é comerciante conhecido na Santa Ifigênnia, em São Paulo, fazíamos a hora da saudade, enveredávamos pelas reminiscências da nossa antiga Itápolis e ele comentou: “Às vezes meus filhos me perguntam de onde vem meu gosto por música clássica, minha paciência de ficar ouvindo todo um concerto de Beethoven, uma sinfonia de Mozart... E eu respondo: na minha terra tocavam estes grandes músicos, estes gênios da criação musical, no serviço de alto-falantes, na Rádio Difusora de lá”. E aí eu emendei: “na torre da Igreja, na hora do Ângelus, um alto-falante potente tocava a Ave Maria de Gounod ou de Schubert,,, e depois dela, algumas peças musicais maravilhosas”

Frei Elias Hupp, 11º Vigário da Paróquia do Divino Espírito Santo

Itápolis tinha destas coisas. O Frei Matheus, um frade que só mexia com pequenos serviços na nossa Matriz, na época do Frei Elias e do Frei Edvino, o Frei Matheus, grandalhão e bonachão, que um dia os coroinhas flagraram com uma bituca de cigarro escondida no capuz da\  batina, o frei instalou um alto-falante enorme em cada torre, de onde espalhava grandes peças musicais. Eu ficava recostado ao parapeito da nossa varanda, desde as 6 da tarde, ouvindo o Traumereis, de Schumann, a Serenata de Schubert, o Concerto nº 1 de Tchaikovsky, a Meditação de Mascagni... e não adiantava minha mãe chamar pra ir jantar que, enquanto o Frei Matheus não desligasse aquele som maravilhoso, ninguém me tirava dali.

E este repertório continuou nos nossos ouvidos pelo Serviço de Alto-Falante e pela deliciosa ZYQ-4, Rádio Difusora de Itápolis, que abria uma seleção de clássicos famosos logo depois da “Hora da Ave Maria”. Tudo isto tinha muito a ver com o ensino de Música e Canto Orfeônico que se ministrava no nosso “Valentim Gentil”, primeiro sob a batuta da Professora Dona Joanita Vanicore Senatores e mais tarde pelo genial e excelente mestre e maestro José Toledo de Mendonça.

Terra que tem tradição no bom ensino, na boa música, no trato da cultura e das artes, Itápolis não pode se desviar deste caminho. Tem tudo para honrar esta tradição: gente inteligente, criativa, amante da cultura aí não falta.