Orestes Nigro
 

Histórias que não foram escritas

 

Diário de Itápolis - Personalidades da época

Quando eu era bem pequeno, dificilmente eu saía do meu pedaço; geralmente não passava da Rua José Bonifácio (atual José Trevisan). Eu era o que corria comprar as coisas pra minha mãe. Ia no açougue dos Scaramuzza, que ficava em frente à Casa Lutaif, na antiga Avenida XV de Novembro (hoje, Valentim Gentil) , ou ia até à chácara do tio Pascoal, que ficava na confluência dos dois córregos que cortavam a cidade, onde é hoje a casa do Major Zitelli. Ia muito também ma Avenida Campos Salles, comprar armarinhos na Casa dos 2 Irmãos, na esquina da Campos Salles com a Bernardino de Campos, em frente a casa do Geraldo Carelli e vizinha de esquina da Fábrica de Balas e Rebuçados. O Camillo, que atendia sempre sentado atrás do balcão, era o tipo de comerciante “bom de bico”, tinha uma lábia danada. Antes que você pechinchasse ele já ia lhe dando aquele desconto. Contam que certa vez uma senhora aproximou-se dele, que estava na porta do estabelecimento e perguntou: “Sêo Camillo, o senhor pode me dizer a que horas parte a jardineira de Araraquara?” – E o Camillo mais que depressa respondeu: “A jardineira barte às 3 e meia, mas bra senhora, barte às 3”!

Do outro lado da Campos Salles, no mesmo quarteirão, ficava a loja de tecidos do Sr. Manuel Jurema, genro do Sr. Salvador Monzillo, era casado com a Dona Nina. A tática de venda do Sr. Jurema não eram os descontos, mas a boa propaganda. Sua loja já apresentava cartazes pregados nas mercadorias, o gramofone (antiga vitrola movida à corda) chamava a atenção dos fregueses. Ali ele espalhava pelo ar do quarteirão, as canções  de sucesso, nas vozes dos ídolos dos anos 30 e 40, como Chico Alves, o Rei da Voz, Vicente Celestino, tenor dramático, Sílvio Caldas, o “caboclinho querido”, Orlando Silva, o Cantor das Multidões, alem dos famosos cantores italianos, como Tito Schipa (se pronuncia Iz-ki-pa), Tino Rossi, Carlo Butti, ou ainda os milongueiros do tango argentino, como Carlos Gardel, Hugo del Carril, Francisco Canaro e a excelente Libertad Lamarque. E quando ele recebia uma nova partida de tecidos, fazia distribuir pela cidade seus famosos “reclames”, volantes de variadas cores, onde não faltavam versos poéticos do Manuel Bandeira, seu xará e conterrâneo, ambos nascidos em Pernambuco.

Pe. Ednyr abençoa o casal Victório Santarelli e Dª Maria Cardamoni Santarelli, por ocasião de suas Bodas de Ouro

Quando minha nona, que fazia pão em casa e abastecia  as casas dos filhos, mudou-se pra Araraquara, nisto eu já tinha uns 9 anos de idade,  meu pai começou comprar pão de padaria. E lá ia o Orestes galgar o subidão que levava a uma padaria lá na esquina da Rua Rio Branco, buscar o pãozinho quente que estalava nas mãos da gente. Lá também faziam o pão sovado, que você partia em gomos, tinha o pão mandi, os biscoitos graúdos de polvilho, os sequilhos, as brevidades, as bombas de chocolate, delicias que eram feitas pela simpática e sorridente Dona Maria Santarelli. Foi então que eu comecei a tomar ciência de que havia em Itápolis uma família maravilhosa, liderada por um homem afável, devotado ao trabalho, o Sr. Vitório Santarelli. Antes de ser padeiro, o Sr. Vitório foi pedreiro; antes de ser a quituteira de mão cheia, Dona Maria foi professora leiga. Ambos vieram do Monjolinho, o simpático distrito que fica a meio caminho de Itajobi. Trouxeram na bagagem três filhas, a mais velha era a Eunice, depois vinha a Haydée e a Eire.

A família foi aumentando, em 1931  nasceu o Chiquinho, batizado pelos pais como Francisco José, isto mesmo, gente, estou falando do Chiquinho Santarelli, este cidadão que todos conhecem e admiram, um dos itapolitanos mais atuantes da história de nosso município. Somos quase da mesma idade, eu, um pouco mais novo, sou de 32, fui discípulo dele, que me ensinou as manhas da função de coroinha, que nós dois exercemos no tempo do Frei Elias. Nosso grupo tinha ainda o João Puzzi, filho do saudoso seleiro, Sr. Evaristo, o Oacir Élero, filho mais velho do Sr. Theodoro e de dona Quita, o Nicolinha Gentil, o Claudino Veludo. Alguns meses depois do nascimento do Chiquinho, o Sr. Vitório  comprou a padaria que era do Sr. Samuel Garnier, instalada ali na esquina da Rua Rio Branco com a Av. Francisco Porto, onde tem hoje uma lotérica e logo foi transformando seu estabelecimento num ponto de encontro muito badalado.

A família ainda ganhou a Sílvia, o Danadiel, o nosso Dedé, que veio em 1933, logo depois veio ao mundo o Vitório, o espertíssimo Turica, que, pequenino e mirradinho, corria as manhãs, no carrinho guiado pelo padeiro, fazendo a entrega do pão nas casas. E quando todos pensavam que a Dª Maria Cardamone Santarelli ia descansar, lá vem a Maria Ângela, a caçulinha da família. Assim se formou uma das famílias mais destacadas da minha mais tenra Itápolis.

Destacada pela vocação de agregar as pessoas, pela capacidade de se impor junto às pessoas da elite itapolitana, mesmo sendo caracterizada como gente “simples”, por causa da profissão do casal Santarelli. Mas a atuação desta família maravilhosa, que enriqueceu nossa cidade com sua enorme sociabilidade, será assunto da nossa próxima crônica, pois há muito o que falar sobre todos eles.

Porque ser padeiro, como o Sr. Vitório Santarelli, como o Sr. Samuel Garnier, como os irmãos Cardilli, ser carroceiro como o Sr. Chico Torre, como o Sr. Ernesto Branco, ser ferreiro como o Sr. João Kocki, como o Ismael Palhares, ser encanador como o Pedro Fázio, como Vicente Nigro, meu pai, ser calheiro como o Sr. Reynaldo Guandalini e assim tantos outros trabalhadores, pelo menos na minha velha Itápolis, não os impedia de transitar nos eventos que reuniam os membros mais destacados da elite da cidade. Quem, como eu, viveu esta época pode dar seu testemunho que confirmará este relato.