Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Diário de Itápolis - "Pérolas!"

Outro dia ouvi, estarrecido, uma repórter de TV dizer que o personagem que ela estava entrevistando era “um homem quaresmático”. Ainda aguardei um tempo pra ver se a moça, nova no ofício, era do tipo criativo, quem sabe ela estivesse fazendo um trocadilho, pois estamos na Quaresma. Mas, qual o que, continuando  a definir o entrevistado, ela deixou claro que queria dizer “carismático” mesmo!  Isto anda acontecendo muito nestes últimos anos, gente que tem,  pela natureza de sua profissão, que expressar-se de forma correta, saindo com “pérolas” como esta!

Como os tempos mudaram! De nada adiantou o mundo ficar pequeno, a comunicação conhecer uma explosão tecnológica palpitante, as viagens serem facilitadas como são, a nossa língua-pátria vem sofrendo as mais duras agressões. Além do nosso português ser a toda hora maculado, os profissionais da imprensa falada e televisionada revelam-se completamente despreparado para pronunciar palavras estrangeiras.

Na Itápolis dos anos 50 para trás falar errado era atestado de ignorância, prova de burrice, sinal de despreparo. E não eram só os letrados, os doutos, os mestres do vernáculo que pensavam assim não! A população inteira, na sua maioria esmagadora, reprovava o linguajar eivado de erros! Lembro-me bem que um locutor da nossa ZYQ-4, Rádio Difusora de Itápolis, ao anunciar um produto comercial repetiu durante o horário todo de sua locução, o seguinte “slogan”: “Igual não há melhor! (pausa) Não pode haver!”  Repita você esta frase dita assim, fazendo ponto depois da palavra “melhor!” e pausa antes de dizer o resto  e veja se dá sentido. Sua hora findou,

O inesquecível Geraldo Alves, o nosso querido "Baianinho"

trocaram de locutor e o “slogan” continuou igual.  Quando saí à rua várias pessoas comentavam aquilo em rodinhas. E logo me apareceu o Baianinho (nosso querido e saudoso Geraldo Alves, Hauers de nascimento) me perguntando: “O que é aquilo? Você entendeu?” Subimos até a Rua Rio Branco, entramos na Rádio e fomos perguntar! E o mistério se desfez: o editor dos comerciais havia colocado a vírgula depois da palavra “melhor”, e pra piorar, ali acabava a linha, o resto vinha datilografado na outra linha! Lembro-me que o Sr. Jéferson Ferraz, então gerente da emissora, tirou imediatamente do responsável pelo erro a função de redigir os comerciais. E quando o rapaz aparecia num bar, numa roda, tinha que agüentar tremenda gozação.

Numa aula de Ciências, dada pelo eficientíssimo professor Mery Minhoto, quando este falava de peixes mamíferos, a baleia é um exemplo, um aluno muito popular entre nós, levantou-se, pediu licença e perguntou: “Professor, estes animais se adapítam à terra?” Foi uma gargalhada só e o rapaz, não vou dizer o nome, ficou apelidado de Adapíta!, o nome? Todo mundo esqueceu!  Outro aluno, também muito popular, ganhou o apelido de Subai. Por que? Porque quando tocou o sinal do fim do recreio, ele subiu correndo a escadaria que levava às salas de aula, virou-se pra turma e conclamou: “Subai em silêncio!”

Outro fato ilustrativo do rigor com a nossa língua portuguesa se deu quando, depois de muitos anos em que não se admitiam alunos que fossem useiros e vezeiros de erros crassos de linguagem, o Colégio deixou ingressar uma menina conhecida por falar “nóis vai, ela ponhô, eu fez e daí por diante. Houve um zumzumzum na cidade, pais de alunos, comerciantes,  sapateiros, carpinteiros, todos estranhavam aquele “absurdo”. Até na oficina do meu pai os operários comentavam!

Pois é, era assim, minha gente! Falar errado, escrever errado, trocar a vírgula, eram motivos de chacota, de apelidos, de perda de função, de revolta popular. Tínhamos orgulho de nossa língua-pátria, por isto fazíamos de tudo para preservá-la!

Hoje tem gente que tem vergonha de falar corretamente, tamanha a expansão da fala errada, do modo esculachado de se expressar. E o amor à nossa língua está morrendo dia a dia! Até os pequenos comerciantes, que não cursaram um minuto de Inglês, preferem escrever em suas placas “Off” em vez de desconto, “Delivery”, em vez de entrega; e um conhecido me disse    que gosta de ir de carro comprar lanches no Mac-Isopor, porque ele está usando o “drive-thru”, é chique!

Eu queria viver mais uns tempos, só pra ver como vão falar e escrever os jovens de hoje, que digitam “ae, naum, loko, aki, vaum e um monte de aberrações! Hoje em dia eles riem ashuhauhauhauhaua, e só me restará rir à moda antiga de sua linguagem de estilo  primata!