Histórias que não foram escritas

 

Orestes Nigro

"A internacionalidade musical da velha Itápolis"

Jean

Glenn Miller

Minha mais tenra Itápolis era, me parece, mais aberta  às diversas modalidades de artes como a música, como a literatura, do que é hoje, fenômeno que se repete na maioria das cidades de nosso país. Já disse aqui que os antigos itapolitanos curtiam as canções italianas, mas é bom que se diga que o gosto musical da época se espalhava entre as músicas clássicas e populares, entre as canções italianas, a moda de viola, o baião nordestino, o tango argentino, o bolero mexicano, os ritmos caribenhos, como a rumba, o chá-chá-chá.

Orquestra Sul América

Também se curtia muito a música americana, principalmente as grandes orquestras de Glenn Miller, de Tommy Dorsey, de Bennie Goodman. Os itapolitanos adoravam quando ficavam sabendo que o próximo baile ia ser “abrilhantado” pela Orquestra Sul América de Jaboticabal, com seus fox, fox-trots, swings, boleros, muitos outros ritmos. O recinto do Cine Theatro Central ficava lotado de gente que ia para dançar, mas também de gente que ia só para ouvir a orquestra e seu “clooney”, Dario. A música tocada ali abrangia todos os gêneros, todos os ritmos.

Libertad Lamarque

Ao lado do sucesso dos italianos Carlo Buti, Beniamino Gigli (pronuncia-se gilhi), Luciano Taioll, Tito Scchipa (pronuncia-se Skipa), assistíamos o sucesso do franco-argentino Carlos Gardel, do

Lucho Gatica

milonguero Francisco Canaro, da atriz e grande intérprete de tangos, Libertad Lamarque; maior sucesso ainda faziam os cantores do bolero mexicano, Pedro Vargas, Carlos Ramires, Lucho Gatica, Benvenido Granda, Gregorio Barrios, Trio Los Panchos, havia até um padre  mexicano muito famoso, chamado José Mojica, que fez enorme sucesso com “Besame” (leia bêssame= beija-me) e  a linda canção “Jurame” (Jura-me). Os boleros mais populares na nossa Itápolis eram “Solamente una vez”, “Besame mucho”, “Quiereme mucho”, “Hipocrita”, “Pecadora”, “Descarada”, “Contigo em la distancia”, “El reloj”;   Das orquestradas, de todos os gêneros, as mais ouvidas eram “Siboney”, “Perfidia”, “Las Golondrinas”, “La Cumparsita”, “Begin the beguine”, “Togethers”, “Moonlight Serenade” e muitas outras.

Pedro Vargas

O bolero penetrou de tal forma nos lares itapolitanos que, quando implantaram o ensino do Espanhol no nosso colégio, a professora, vinda de Jaboticabal, Maria Ruete, ficou admirada com o vocabulário castelhano dos alunos, todo mundo sabia inúmeras palavras em espanhol, aprendidas através dos boleros. Dona Maria Ruete, também sabedora do papel da música no aprendizado de línguas estrangeiras, valia-se dos boleros para ampliar nosso vocabulário. Trazia seu violão para o colégio e, no fim de cada aula, cantava novas letras, fazendo-nos anotar os vocábulos que ainda não conhecíamos.

Lembrando-me da simpática e bonita professora de Espanhol, Maria Ruete, quando, numa de suas aulas, o incorrigível Milton Mazzarope, assim que ela acabou de entrar na sala de aulas, fez o seguinte comentário: -“Professora, não é puxassaquismo não, mas a senhora está com uma voz!!! Cada vez melhor, fessora!” Dona Maria ficou rubra e perguntou: -“Onde você me viu cantar?”  -"Na procissão!, respondeu o Milton.”  Dona Maria Ruete só não quebrou o violão na cabeça dele porque o dela era caro!

Jean Sablon

Esse Milton Mazzarope tentou pregar uma peça no Professor Henrique Morato, durante uma aula de latim. Perguntou ao mestre: “Professor, já que dizem que cantar músicas estrangeiras ajuda muito a aprender línguas, por que o senhor não ensina pra gente uns boleros, uns tangos, uns fox tudo em latim?” – Professor Morato olhou bem fixo para o Milton, demorou um pouco e lascou: “O senhor pode ir para um convento e lá vai aprender a missa cantada! Vai saber cantar “Dominus vobiscum”, “Agnus Dei, qui tollis pecata mundi, miserere nobis!” e muitos outros “boleros”!”   Foi uma das poucas vezes em que o Milton não levou vantagem!

 

A música estrangeira agradava tanto que até a música francesa encontrou adeptos em nossa terra. Havia no Rio de Janeiro um cantor francês, Jean Sablon, que se apaixonou pelo Rio e acabou morando lá. Jean Sablon, além do Teatro, se apresentava na famosa Rádio Nacional, onde cantava “Place Pigalle”, “Vous qui passez sans me voir” (Tu que passas sem me ver), “J’attendrai” (Eu te esperarei). Fez tamanho sucesso que suas músicas se espalharam por todo nosso Interior, e seu modo de vestir também. Ele costumava usar uma blusa que ia até perto dos joelhos, com dois bolsos em cima, tamanho normal, e dois bolsos grandes na parte de baixo. A moda pegou, e os meus contemporâneos hão de se lembrar do “Jean Sablon” (jansablon) que todo mundo usava.  Minha mais tenra Itápolis era uma cidade aberta para o Mundo!