Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"Os cheiros que vinham das plantas"

Nos já longínquos anos 20, 30, 40 os sabores e os aromas das frutas, das verduras, dos legumes eram diferentes dos de hoje. Uma das diferenças mais marcantes era o cheiro da salsinha. Hoje em dia, para você sentir o aroma deste tempero tão usado em nossa cozinha, você precisa esfregá-lo no dedo, porque, de longe, você não sente nada.

Na horta da minha nona, só de você se aproximar do canteiro dos temperos seu olfato já captava o aroma da cebolinha, do manjericão, do coentro, da salsa. Quando na cozinha picavam estas plantinhas, de longe vinha seu aroma. O tomate daquele tempo não dava tão graúdo como hoje, era menorzinho, mas o cheiro era incomparável e o sabor silvestre, de coisa da terra que tinha o tomate. Tudo que vinha da terra era um pouco ou bastante diferente do que temos hoje, depende do produto. Não se trata de saudosismo não, eu me dou muito bem com os sabores de hoje, é uma informação que me cumpre passar para os leitores.

  A terra era diferente? Penso que não. A terra de Itápolis continua tão fértil como a de antigamente. Naquele tempo não tínhamos poluição, nem no nosso vocabulário, será por isto? Seriam os agrotóxicos?

A terrível "saúva"

O famoso "Formicida Tatu"

Naquele tempo nem existiam, quando muito você empregava algum veneno em caso de pragas. Era o tempo da formiga saúva, que fazia um estrago danado nas hortas, nos jardins, nos pomares, nas roças. A saúva causava tamanho estrago na lavoura que até surgiu um slogan que advertia: “Ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil!” Por isto não tinha armazém que não vendesse o famoso veneno “Formicida Tatu”, que vinha em pó ou líquido, em latinhas para uso doméstico ou em embalagens maiores para emprego em grandes áreas afetadas pela praga. A formicida era comum nas nossas casas, sempre em lugares de difícil acesso para se evitarem tragédias, o que nem sempre era garantido, tivemos inúmeros suicídios com o uso do  fatal pozinho branco.

Naquela tenra Itápolis, de ruas de terra batida, de jardins floridos em torno das casas, de quintais imensos sombreados por árvores frutíferas, o que não faltava eram os cheiros gostosos, apetitosos, convidativos.

A beleza e o cheiro da florada da mangueira ficaram para sempre na memória

Você passava na frente da casa dos Gentile, ali no começo da subida da Francisco Porto e o cheiro da manga espada, quando era fim de ano, fazia você subir o subidão mais tranquilo, nem cansaço dava. As goiabas dos pés que cobriam o Rio da Carlota no fundo do quintal dos Monzillo convidavam a dar um entradinha pra pegar a mais bonita e madurinha.

Quando a gente ia pela Rua Bernardino de Campos e cruzava a esquina da Amaral Lyra, os cheiros da horta dos Merlussi lembravam a hora do almoço. Mais pra cima, era o cheiro forte da jaqueira que tinha ao lado da máquina de algodão dos irmãos Batlouni.

Na calçada da máquina de café do Sr, Salim Haddad você andava sob os galhos de amoreiras que vinham do quintal da máquina e pendiam por cima do muro; quando era safra, as amoras pretejavam os galhos e o chão ficava marcado pelas pisadas que as amassavam. E o cheiro das amoras envolvia os passantes.

Se você subia a Floriano Peixoto, lá na Vila Nova, e passava da Rua Boiadeira, quando atingia a casa do Sr. Chico Torre, já sentia o cheiro das frutas, que vinha da chácara do Sr. Garcia, cada temporada era um aroma e o mais forte e gostoso era no mês de novembro, o perfume delicioso das mangas “Coração de Boi”.

Por que será que estes aromas não se espalham hoje? Em nossos dias atuais, se o freguês é novo num supermercado, ele precisa se informar onde fica a seção de frutas e verduras, pois pra sentir algum cheiro é preciso se abaixar sobre as frutas, sobre os legumes, sobre as verduras.

Um dos agradáveis prazeres da vida dos antigos moradores era passar pela região onde houvesse uma torrefação de café, onde o cheirinho concentrado nos atingia em cheio e nos enchia de vontade de um cafezinho. As torrefações parecem ter sumido das cidades, os novos processos de produzir o café em pó não devem precisar delas.

Aqui em Santos ainda dá para curtir este velho prazer; é só passar pela região da Rodoviária que o cheirinho bate nas narinas. Itápolis teve várias torrefações; lembro-me de uma que se situava perto da antiga Estação da Douradense, acho que pertencia à família Ribeiro, antigos cafeicultores e comerciantes de nossa cidade.

Vida natural, ar totalmente despoluído, muito mato, muita sombra, muita chuva, muito cheiro gostoso, muitas coisas saborosas, tudo isto ainda existe hoje, mas você precisa sair caçando-as. Quando eu vejo nas gôndolas dos supermercados R$ 17,00 o quilo da pinha, R$ 35,00 o quilo da romã, R$ 12,80a caixinha de figos mirradinhos; quando eu penso que eles não têm nem um terço do aspecto atraente e do sabor que tinham nossas frutas, que a gente ganhava, é impossível não voltar o pensamento a aqueles tempos, quando estas delícias é que vinham atrás da gente. Não é então pra se sentir saudade?