Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"Como partiam deste mundo nossos antepassados"

Na crônica de nº 070 falei sobre como vinham ao mundo os bebês da antiga Itápolis; por que não falar sobre como partiam deste mundo, nossos avós?

Como digo sempre e repito agora, a nossa mais tenra Itápolis era um mundo diferente do de hoje. Nos idos anos da primeira metade do Século XX, época dos imigrantes ainda emergentes, dos brasileiros caboclos de quatro costados, a morte era tratada com uma solenidade marcante, digna de uma reverência que atravessava meses, às vezes anos.

Na cidade como no campo a simples aproximação da morte de um parente, de um amigo ou de um simples conhecido já preparava as pessoas ao culto da homenagem; a decadência física, a doença grave e quase todas as doenças eram graves então, tudo levava à vigília da espera do desenlace. Quando este acontecia para alguém, toda a cidade se enlutava, eram raros os que ficavam indiferentes.

- “Morreu Fulano!”. - “Dona Cicrana morreu!” Eram anúncios que atingiam todas as pessoas. Nas vizinhanças do falecido nem era necessário o anúncio, pois o aglomerado de pessoas dentro e ao redor da casa já anunciavam o triste acontecimento. O velório acontecia ali, na sala principal da casa, sem necessidade de anúncio, de marcação de horário. Não havia, na época, clima para a instalação de um velório público, isto seria visto como um verdadeiro sacrilégio! O falecido era mantido em sua morada, rodeado dos parentes, dos vizinhos, dos amigos e dos curiosos, mas ali, na casa que foi dele.

O clima em torno do falecimento de alguém era de profunda consternação, expressa no olhar, nas palavras ditas em sussurro, no profundo respeito a tudo que envolvesse o morto. Nem se imaginava deixar o defunto abandonado na sala do velório como acontece hoje. Nem pensar em ligar o rádio, cantarolar alguma coisa, falar alto que fosse.

Isto tudo acontecia, esta atmosfera de tristeza e condolência, sem que ninguém achasse um exagero, era o costume, as pessoas viam assim a perda de alguém. Os pêsames eram ditos com firmeza, a mão apertava a mão com convicção e não era raro verem-se lágrimas umedecendo as faces dos presentes.

Mulheres de vestidos pretos, de um negror sem brilho, opaco como a tristeza, Rostos lavados, unhas limpas de esmaltes, atitude circunspecta, o luto fechado devia demorar seis meses, findos os quais iniciava-se o luto leve, podendo-se mesclar o preto e o branco nas vestimentas

A hora de fechar o caixão era o clímax da tristeza, não envolvia apenas a família, mas todos os presentes. O féretro seguia pelas ruas, o caixão era levado a pé, as lojas baixavam as portas, as calçadas eram pontilhadas de circunstantes que paravam e acompanhavam o séquito de modo respeitoso. O dobrar contínuo do sino da matriz dava o tom, aquilo era um momento a reverenciar, alguém que “conviveu conosco” estava nos deixando, não só ele era personagem, “nós todos éramos participantes daquela despedida”.

 

Jogado sobre a cova o último punhado de terra, encerrado o sepultamento, a família iniciava o reverente luto. Homens de camisa preta, tanto para o trabalho como para a vida social. Mulheres de vestidos pretos, de um negror sem brilho, opaco como a tristeza, Rostos lavados, unhas limpas de esmaltes, atitude circunspecta, o luto fechado devia demorar seis meses, findos os quais iniciava-se o luto leve, podendo-se mesclar o preto e o branco nas vestimentas, os homens trocavam a camisa preta por uma faixa de luto na lapela do paletó ou no bolso da camisa. Isto durava um ano, findo o qual, a maioria voltava às vestimentas normais a todas as pessoas. Alguns mantinham por mais longo tempo o luto leve, algumas pessoas, não muito raras, nunca mais deixaram o luto.

Morrer, naquele tempo, era um ato digno de registro na vida e na consideração do falecido. Alguns, principalmente os simples, tinham neste registro o único destaque de toda uma vida, mas tinha este destaque, por mais simples que ele fosse, por mais pobre tenha sido em vida, a cidade não discriminava ninguém nesta hora. Era mais digno morrer naquela época! Podem ter certeza!