Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"As pessoas mudam e, com elas, os costumes"

Na minha mais tenra Itápolis, com raras exceções, tanto os rapazes como as moçoilas (expressão usada para definir as adolescentes) guardavam um visível recato no que diz respeito ao namoro, às manifestações do amor, da paixão. Os rapazes eram na maioria tímidos, embora fizessem ares de atirados, pois na hora de abordar a garota alvo de seu interesse, geralmente apelavam para a intercessão de um amigo, de  uma vizinha, de alguém que os livrasse de ouvir um “não”.

O recato se manifestava nas vestimentas, geralmente fechadas, cobrindo quase todo o corpo, para nós meninos ou rapazes, a oportunidade de flagrar um joelho de menina, só em caso de rara distração isto poderia acontecer. A imaginação é que se encarregava de enveredar por estes mistérios.

O recato se manifestava nas vestimentas, geralmente fechadas, cobrindo quase todo o corpo, no modo de sentar-se, sempre cuidando de não deixar escapar a visão de alguma parte íntima, regiões do corpo que os mais cultos chamavam de “partes pudendas”, é verdade, cheguei a ouvir isto muitas vezes. Eram raras, para nós meninos ou rapazes, a oportunidade de flagrar um joelho de menina, só em caso de rara distração isto poderia acontecer. A imaginação é que se encarregava de enveredar por estes mistérios.

O recato também se impunha no linguajar do cotidiano, raramente e numa reprovável distração, escapava algum termo grosseiro, alguma palavra de baixo calão, pois, na verdade, estas coisas eram desprezadas pela maioria das pessoas. O palavrão só tinha vez nos momentos de perda da compostura, na hora de uma briga, no momento de uma exasperada explosão de revolta. O que era mais comum, principalmente entre os imigrantes europeus, italianos e espanhóis principalmente, era a blasfêmia. Lembro-me que meu pai, quando dava uma martelada no dedo, saía da oficina para o quintal, com a ferramenta em punho, agitava-a para o ceu bradando “Desce, vem pra cá com seus porta-estandartes, que eu te pego, “managgia!” Eu nunca entendi o significado desta ameaça, nem mesmo contra quem era feita, mas lembro-me que minha mãe, lá de onde fazia sua lida, exclamava: -“Olha o castigo! Não brinca com estas coisas!” Eu sabia que “managgia” era palavra muito usada pelos italianos do sul, como meu nono, quando estavam bravos.

Outra manifestação de recato, hoje em dia inimaginável, era que os homens, mesmo os casados, pais de filhos, quando eram fumantes, não fumavam, de jeito nenhum, diante de seus pais e dos tios. Isto era um comportamento comum a todas as raças e nacionalidades. Lembro-me de ouvir contarem o caso de um comerciante, pai de um colega meu na Escolinha da Dona Mazé, que engoliu o cigarro porque não deu tempo de jogá-lo ou escondê-lo no momento que seu pai entrou. Dependendo da criação, da origem e da cultura, outros hábitos eram dignos da auto repressão de seus praticantes, diante dos pais e dos parentes mais velhos.

Para que meu leitor imagine quanta timidez, quantos escrúpulos regulavam a conduta das pessoas, o ato do pedido de casamento, hoje tão banalizado, era comparável aos momentos mais solenes da vida em sociedade. Havia uma preparação com antecedência de meses para a realização deste momento. O ato era revestido do solene, da reverência, do nervosismo.  O pretendente chegava na casa da futura noiva, acompanhado de seus pais, quando não de toda sua família, ali encontrava toda a família da jovem, elegantemente vestida e numa postura impositiva, o que fazia o jovem pretendente tremer na base. A conversa era difícil, as respostas saíam monossilábicas, o nervosismo era visível, principalmente no casal de nubentes (pessoa que contrata noivado). Meu pai casou-se três vezes, portanto já era calejado quando foi pedir minha mãe, a terceira de suas esposas, em casamento. Entretanto, apesar da experiência, contava minha mãe, confirmavam minhas tias, ele estava tão nervoso que ficava enrolando a gravata para cima e para baixo, sem parar, tanto assim que elas diziam: “acho que quando ele saiu, foi embora com a gravata subindo e descendo sozinha”.

 Como vêem, era outro mundo, aquela Itápolis dos anos 20, 30, 40... Se você, leitor jovem, assimilar o cenário comum daquela época, você irá entender perfeitamente as nossas reações, nós os idosos, os avós e bisavós, quando nos deparamos com certos hábitos que se instalaram no mundo de hoje. Cumpre haver estas compreensão tanto da parte dos mais jovens, quanto também de nossa parte, diante das mudanças que a evolução social e material nos impõe, a nós, pobres mortais.