Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"Voltando à minha mais tenra Itápolis"

Em junho de 2009 eu dei início, por este caminho, a um passeio reminiscente e saudosista pela minha terra natal, nos anos em que, aqui nascido, aqui vivi. Passeei pelas ruas e praças recordando como eram as casas, as lojas, os bares, o cinema, ah, o cinema!,as igrejas, as escolas, as oficinas, as alfaiatarias, as barbearias, os bancos, as padarias, as sorveterias, as farmácias, os postos de gasolina, os veículos, desde o carro de boi, até os carrões, lembrando os troles, os semi-troles, as carroças, as charretes, os Fordinhos Pé-de-bode, os Chevrolet Cabeça-de-cavalo.

Neste longo passeio me reencontrei com inúmeras pessoas que formavam a população ativa, vindas de longe, de muito longe, até do Oriente e do Velho Mundo. Falei de suas roupas, de seus costumes, de seu modo de falar, de sua culinária, de seu modo de viver em sociedade e até na intimidade de suas casas. Em cada casa, em cada esquina, em cada canteiro do jardim, as imagens daquela gente saltou diante de meus olhos como se estivessem ali, vivos, atuantes, saudáveis. Quantas vezes estas visões encheram de lágrimas meus olhos confusos entre o imaginário e o real!

Não foi nada fácil ressuscitar a figura de minha mãe ainda mulher jovem, de meu pai com sua austeridade estampada no olhar, de minha irmã Zizinha que me ajudou a crescer, de meu irmão Nicolino que enchia de alegria nossos dias de crianças. Como me comoveram as lembranças da Nona, do Nono, da Vó Nenê, dos tios e tias que víamos sempre e que já partiram todos.

E não eram só as pessoas da família que reapareciam como num milagre. Os vizinhos mais próximos, como Dona Filomena e Sr. Luciano Armentano, que eram mais próximos até que certos parentes.

Da mesma forma eram os Vessoni, com sua casa sempre movimentada e alegre, nove filhos e o Sr. Carlos, todo cair da tarde, sentado, encavalado em sua cadeira patente preta, na calçada, dando um dedinho de prosa com cada um que por ali passava.

Quantas vezes atravessei correndo aquela rua, para pegar o bolinho, o doce, a fruta que Sinhana Baiana chamava para me dar. Quantos meninos da vizinhança vinham se reunir debaixo do poste para brincarmos de esconde-esconde, pega-pega, cruzado, correndo até cairmos de cansados e irmos acabar o tempo permitido, no banco, que era um velho assento de automóvel, do posto Atlantic, onde nos divertíamos com as histórias e os “causos” do Cocada, vigia noturno do estabelecimento!

Chegada a hora de entrar na escola, a minha primeira foi a da Dona Mazé, pra onde eu ia, levando pela mão, minha priminha Terezinha, que morava com minha Nona. Depois, já no Grupo Escolar, a subida era em bando; quando tínhamos algumas moedinhas de um tostão, comprávamos doces de batata ou de abóbora do Sr. Balbino, que nos esperava infalivelmente, na calçada do jardim, bem defronte ao portão de entrada, com sua cesta de madeira envernizada e com tampa de vidro, que eu achava linda.

Subíamos a Francisco Porto pela calçada da direita e, quando chegávamos na esquina da Padre Tarallo, encontrávamos as meninas que vinham dos lados da Campos Salles. Cada menina linda!  Lindas, mas ariscas! Tinha uma, a Nair, filha do comerciante Florindo Fiani, que era, opinião unânime, a mais bonita; pele clara, olhos esverdeados, rosto rosado, cabelos longos, bem cheios e levemente arruivados. Além de bela, era a líder de sua turma, claramente admirada pelas colegas que a acompanhavam. Mas, mexesse com ela pra ver! A Nair era brava, brava e destemida! Não tinha menino que a amedrontasse! Com ela iam outras meninas também lindas, vendendo saúde, rosto rosado, sorrisos constantes.

Meninos e meninas não se juntavam, era uma separação espontânea, sem discriminação, era um reflexo da educação que vinha de casa e que tinha influência até mesmo na escola, pois se evitava formar classe mista.

Saindo do nosso pedaço, outras meninas também impressionavam por sua beleza. A Eneida Vessoni, filha do Ricieri (Toninho) era uma delas, Nadir Manicardi, filha do proprietário do Hotel Modelo era outra que balançava os corações. O nosso Baianinho, o Geraldo Alves, arrastava uma jamanta por ela, mas, sem sucesso. Clarisse Burihan, Ivone Zuanon, futura senhora Lavoisier Tarallo, Yeda Marconi, só para citar algumas meninas, eram admiradas pela beleza e formosura, e nem percebiam, visto que o culto ao físico e à aparência não era nem a sombra do que é nos tempos atuais. Quem viveu aquela época pode conhecer a beleza pura, espontânea, natural, sem silicone, botox e demais recursos artificiais. Nada naquela Itápolis era estranho à natureza