Histórias que não foram escritas

 

Orestes Nigro

"O Criador da Vida e Mestre do Viver"

A memória hoje me avisou: “Estou em repouso”.  Não quero pensar no passado e mais uma vez sentir a falta de alguém que o fez melhor, que o fez brilhante, que me serviu de exemplo de bom caráter, de retidão, de responsabilidade, de sobriedade e de humildade. Na idade avançada os ganhos vão-se reduzindo e as perdas começam a incomodar. De repente você percebe que as perdas também estão se escasseando, que há pouca coisa sobrando para perder. Aí, como acontece quando um punhado de alguma coisa que nos agrada muito, você percebe que vai-se esgotando, você se vê economizando-a, como faz com as últimas pipocas vistosas, você passa a consumir as mais feinhas e deixando para o fim o prazer das graúdas. Eu já disse que Deus criou o ciclo perfeito do viver. Muitas vezes os planos de Deus são desrespeitados pelo lado imprevisível dos fatos. Mas quando os planos d’Ele se cumprem o desenlace da vida é paulatinamente preparado, passo a passo amenizado, porque você, quando dele se aproxima, se olhar ao redor, verá quão pouco lhe resta a deixar para trás, embora infinitamente importante.  A partida, assim, torna-se mais suave, e o que se perde não depende mais de você para sobreviver.

O que aconteceu ontem foi a repetição da mesma advertência, você não é imortal!  Cada vez que você é lembrado disto, a sensação da mortalidade dura algum tempo, depois é diluída pelas contingências do viver, e você se esquece. Ontem eu acordei e me levantei como sempre, sem novidades que me afetassem de perto. De repente, topo coma notícia da inesperada partida do Cacini. Junto à sensação de perda, de tristeza, de amargura n’alma, veio o toque de sempre: é assim mesmo, você se esqueceu? Meu mundo ganhou mais um grande espaço vazio, já anda tão perto de virar deserto, mas eu tenho ainda as últimas pitangas graúdas, restam ainda algumas jabuticabas, algumas guloseimas do meu inteiro agrado, e vou sorvendo-as com toda parcimônia, esticando ao máximo minha capacidade de curti-las.

Muito do que compõe minha visão do fim da gente, eu aprendi lendo o Cacini. Consulte sua bibliografia e lá encontrará o reflexivo “Aprendendo a morrer”. Não sou nenhum privilegiado ao captar tais ensinamentos, são lições da vida, todos a recebem e as entendem muito bem. Aposto que muito leitor, já chegado em anos, também tem muitas lições guardadas no bojo de sua existência, é só ouvi-los.

Por tudo isto é que Deus nos fez saber que há passado, presente e futuro. Ontem, mais uma vez, pude sentir quanto o futuro é incerto e lembrar que o desenlace é uma certeza, o que não é sabido é o seu exato momento.