Histórias que não foram escritas

 

Orestes Nigro

"As instâncias da Memória"

Penico, de ferro ágata, muito usado em nosso tempo

Recebi hoje um e-mail, enviado por uma querida amiga e ex-aluna da Aliança Francesa de Monte Aprazível, que chamo, para mim mesmo, de “a flor pensante de Poloni”; são várias fotos de épocas passadas vividas pela Marilda Sanità, que visam a descobrir se o destinatário usou, empregou, curtiu os objetos contidos nas imagens. Só que, dependendo da época, tais imagens alcançam as lembranças de uns, mas não atingem os que já vivem desde muito antes de seu aparecimento. As que minha amiga enviou,  não suscitam saudosismo em pessoas da minha idade,  são lembranças para as reminiscências dos "jovens" como ela.

 

Algumas, como a Emulsão de Scott, o penico recolhido dos quartos toda manhã, são do meu tempo. Mas os Beatles já são modernismos dos anos 60, nossos ídolos  de então ainda eram outros: Chico Alves, Orlando Silva, Sílvio Caldas, Carlos Galhardo, Dalva de Oliveira.

Chico Alves Dalva de Oliveira Carlos Galhardo

Orlando Silva

Sílvio Caldas

Nossos ídolos estrangeiros eram os astros do rádio e da música dos anos 50: Trio Los Panchos, Pedro Vargas, Libertad Lamarque, Carlos Gardel, Charles Trenet, Edith Piaf, Bing Crosby; os astros de Holywood, Mae West, Jennifer Jones, Clark Gable,  Ida Lupino, Bete Davis, Joan Crawford, Robert e Elisabeth Taylor; do cinema europeu,  Marlene Dietrich, Anna Magnani, Pola Negri, Gina Lollobrígida, Sophia Lorem, Mastroiani, Totó;  os cowboys Charles Starret, Roy Rogers, William Boyd, os comediantes, os Irmãos Marx, Charles Chaplin, os 3 Patetas, Boca Larga, O Gordo e o Magro, os ídolos das crianças, que eram o  Tarzan de Johnny Weissmuller e a Jane da Maureen O’Sullivan; os seriados como “Fumanchu”, “Nioka, a rainha das Selvas”, Mickey Rooney, Shirley Temple;  as musas das mil e uma noites, já coloridas, que eram Maureen O’Hara,  Maria Montez, John Hall, Sabu (o Ladrão de Bagdá).

Os gramofones eram muito usados nos tradicionais bailinhos

As vitrolas dos bailinhos na garagem de que Marilda fala, já apareceram como  recursos de quem não sabia tocar instrumentos e cantar nas serestas que se faziam antes, para as conquistas amorosas. O telefone de discar, citado por ela, também foi novidade que demorou  a chegar no nosso Interior. Os poucos telefones  de nossa época eram aqueles de manivela, o de parede e o de mesa. A telefonista não só providenciava a ligação, como bastava dizer-lhe com quem queria falar que ela sabia o número do assinante e estes números, em Itápolis e grande parte do Interior, tinham no máximo dois dígitos; lembro-me que o telefone da Prefeitura Municipal era de número 1, do Hospital de Misericórdia, era o de nº 3, o do Zezé Celli, nosso querido barbeiro, era 36.. Em Itápolis havia duas telefonistas em turnos diferentes e muitas vezes, ao atender um pedido de ligação, informavam ao assinante que a pessoa com quem ele pretendia falar estava viajando ou tinha acabado de sair (certamente ele havia ligado há pouco dizendo ao seu interlocutor "Estou indo aí!" - isto quer dizer, a telefonista ouvia todas as conversas). O cúmulo desta destreza fofocalizada  era o caso do meu barbeiro que ligava para a telefonista e pedia "liga pro meu tio Antônio!", ela conhecia a voz do freguês e sabia de cor o telefone do "tio Antônio".  Minhas reminiscências, assim como as dos meus  contemporâneos ainda vivos, certamente incluem o Almanaque Capivarol, infalível como oferta gratuita nos balcões das farmácias. 

E por falar em farmácia, sou do tempo em que, apesar das reformas ortográficas, ainda se liam nas fachadas dos estabelecimentos, alguns letreiros já meio apagados: “MÁCHINA DE ARROZ”, do Lucato, na esquina da Av. FlorêncioTerra com a rua 13 de Maio; “MÁCCHINA DE BENEFICIAMENTO DE CAFÉ”,  do Carlos Vessoni, num grande terreno da Av. XV de Novembro, já na Vila Nova.   PHARMÁCIA  CONFIANÇA, de Euraclides de Oliveira, na rua José Bonifácio, esquina com a Av. Campos Salles. Quando ingressei, já no ano de 1952, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, no saguão de entrada ainda estavam expostos os solenes quadros de formatura de turmas passadas. Em alguns deles ainda se via escrito:  CURSO DE GEOGRAPHIA, CURSO DE PHYSICA, CURSO DE CHIMICA. Foi por isto que um certo candidato ao vestibular, quando fazia sua inscrição, respondeu à funcionária que queria saber em que curso pretendia ser admitido: - Curso de Chímica, sempre gostei de chímica!

A funcionária sorrindo corrigiu: - Não de diz chímica, você deve dizer química!  E o moço surpreso perguntou: ---- Então o meu nome não é Chagas?