Histórias que não foram escritas

 

Orestes Nigro

"Xingando em vários idiomas"

Não era apenas a meninada do grupo escolar e os estudantes que tinham vocabulário especial para xingar, melindrar, tirar sarro dos outros. Os adultos tinham muito mais e aí é pegar no pesado. Vou tentar passar a meus leitores como era este vocabulário, contornando a linguagem para não chocar ninguém. O jeito é saber ler nas entrelinhas, é pegar a coisa no ar, “no sugerido”, como dizia Pagano Sobrinho, comediante paulista dos anos 40, 50.

Itápolis tinha uma coleção de raças e de nacionalidades; Vamos ver como xingavam, como blasfemavam, como satirizavam nossos antigos habitantes conforme sua origem. Não é preciso falar aqui dos xingamentos, palavras de baixo calão, expressões chulas que diziam os brasileiros, porque isto todo mundo conhece e quase nada mudou, excetuando-se aquelas expressões que enumerei na crônica anterior. Mas, os italianos, os espanhóis, os árabes, também tinham seus palavrões! Dependendo da região de onde provinham, os italianos eram ricos em expressões agressivas. Meu nono, que vinha do sul da Itália, por exemplo, vociferava o“mannaggiala putana!” quando dava uma martelada no dedo! Os nossos imigrantes da Toscana, de Nápolis, de Trieste, de Veneza, da Lombardia, tinham seu jeito singular de explodir na dor, na raiva, na briga, na disputa ou simplesmente na admiração, na estupefação, na surpresa! Afinal, o palavrão não serve apenas para xingar! Eu tinha uma tia que, quando não via a gente há algum tempo, nos recebia dizendo “Puta qui pariu, como você tá forte, rapaz!” Ou se era una mama brava, desconfiada, irritada, logo se ouvia o “Farabuto!” (sem vergonha, malandro), “schifoso” (skifoso) (fingido!), ou então “stronzo” (cagão, medroso). Se pegavam alguém na mentira, já se ouvia “buggiardo!” (mentiroso).  Se alguém ficava rodeando o pai, a mãe, ou algum amigo, sem explicar direito o que está querendo, iria ouvir a pergunta que não falhava “Ma, che cazzo vuoio? (Mas, o que que você quer? – onde cazzo quer dizer escroto, ou pênis, conforme a região).  Se o italiano ou mesmo um filho de queria mandar alguém amolar outro a expressão usada era  “va al diavolo” (diávolo, que em italiano não se usa acento, senão em casos raros, que queria dizer “vá pro diabo”).  Algo provoca grande admiração, susto, surpresa, “porca miséria!”, “porco Dio!” davam conta do recado. Se o sujeito era muito burro, obtuso, era “um testardo” (cabeça dura, teimoso). Até a forma de se despedir dos italianos era curiosamente engraçada, senão vejam “Ciao, bello!”  era  o nosso tchau, que vem do italiano ciao mesmo. “Se non ti vedo più, felice morte!”  (Se não te vejo mais, feliz morte! Cruz credo!!!

         Os espanhóis também tinham curiosos palavrões; Se o negócio era rogar praga, a expressão “Que te calgan los huevos (ou “cojones”)”(Que caiam seus ovos (testículos). Santo Deus! Se o sujeito desmunhecava, logo se ouvia “marica!, maricón!”   O indivíduo queria expressar seu enorme desdém por alguém, por algum valentão, autoridade, pessoa temida, a frase logo se ouvia, “Me cago em su cabeza!”, “Me cago em la cabeza Del gobierno!” . O nosso f-da-p para os espanhóis era “La puta de tu madre!”, o marido traído era o  “elcabrón”, o vagabundo era “Vago!”,  o medroso era “elcagón!”, o pilantra, malandro era “El majadero”  (o j  aí se prenuncia como o  h aspirado);

Na minha mais tenra infância eu pude conviver com os filhos da Dona Maíba, irmã do Sr. Iussef Chammas, esposa do Sr. Gabriel Feres, vindos do Líbano. Aquelas foram crianças muito especiais para mim e para os meninos todos do nosso pedaço ali da Francisco Porto. Eles aprenderam a falar o português que já “arranhavam”, conosco e também nos ensinaram muitas coisas. Aprendemos com eles várias palavras árabes, como comer aquele delicioso pão sírio que a Dona Maíba fazia e também uns poucos palavrões. Eu aprendi que merda, em árabe, é “hara” com h aspirado. O primeiro dos palavrões era muito curioso, pelo seu significado: “Haramichierbak” que eles pronunciavam “rrarabichueba” e que queria dizer, segundo explicava o Nagib, “merda no bigode!” Agora, por quê? Ele nunca explicou. Ouvia-se deles muito a expressão que a gente reproduzia como “rraba tacho, mas que mais tarde fui saber que o correto é “Zabratizzi”, cuja tradução não diziam, mas que sei que é um xingamento pesado. A Jorgeta, já mocinha, o Nagib, o Nabi, a Inês e o Feres, bem pequenos ainda, encantavam a meninada do pedaço com seus costumes, seu sotaque acentuado, suas vestes e suas guloseimas. Preciso dizer aqui que estes palavrões nunca foram usados contra nós, nem os nossos contra eles, eram apenas respostas à nossa curiosidade típica da idade.  Xingar era pecado, xingar era extrema falta de educação, xingar era falta de respeito e as crianças que não aprendiam com conselhos, aprendiam depressa com um tapa na boca. Bem, eu disse “era”...