Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"De Aarîd Beskinta para Itápolis: Os Haddad"

Eu era menino de 7, 8  anos de idade quando minha avó Nenê foi morar com minha tia Abgail (Bibi) e com meu tio Belmiro, recém casados, num chalé muito simpático da antiga avenida Carlos Gomes, atual Eduardo Amaral Lyra, do lado esquerdo de quem sobe, quase chegando na Rua Ruy Barbosa (atual Odilon Negrão), casa que existe até hoje.

Como ela se havia desfeito de sua casa da esquina da Av. dos Amaros com a 7 de Setembro, minha avó levou com ela suas duas últimas filhas solteiras, a Maria Isabel (Bizuca) e a Maria Cristina. E foi por causa desta mudança que minhas tias fizeram amizade com as famílias vizinhas como a do Dr. Juvenal Coelho, que além de médico era também professor de Ciências no nosso velho Ginásio. Por ali também morava o diretor do Ginásio, Prof. Barreto, que tinha a filha Ieda, colega e amiga da tia Cristina e uma família bem conhecida na cidade, os Haddad.

A pequena Aarîd Beskinta, situada na província de Monte Líbano e que hoje se tornou um renomado centro turístico, além de abrigar um dos maiores observatórios meteorológicos da Ásia

O casal era formado pelo Sr. Salim Ferreira Haddad e sua esposa, Dona Eugeny Salum Haddad. O Sr, Salim era libanês, vindo da pequena Aarîd Beskinta, situada na província de Monte Líbano e que hoje se tornou um renomado centro turístico, além de abrigar um dos maiores observatórios meteorológicos da Ásia.

Curiosamente, o Sr. Salim levava também o sobrenome Ferreira que adotou porque Haddad, em árabe, significa ferreiro. O Sr, Salim, que muitos chamavam de Salim Ferreira, era dono de uma das maiores máquinas de beneficiamento de café da cidade, localizada numa grande área que fazia fundo com sua residência. A máquina de café do Sr. Salim ficava na Avenida 7 de Setembro, indo da esquina da Avenida Eduardo Amaral Lyra até o meio da quadra em direção da Avenida Campos Salles.

O café era tão importante na vida de Itápolis, que na mesma esquina funcionava a máquina do Sr. Gisberto Lalaina. E bem próximo dali, na esquina da Avenida Francisco Porto com a Rua José Rossi,  funcionava outra grande máquina de café, a do Carelli. Era do Sr. Salim, também a enorme “chácara”, verdadeiro sítio, pois tinha 56 alqueires, onde tínhamos a nossa inesquecível piscina, a Piscina do Salim, que depois virou Piscina dos Marconi, um açude bem estruturado, com cabines de vestiários, galpão, trampolim, todo cercado por um lindo bosque. Essa chácara ficava bem na saída de Tapinas, na continuação da antiga Rua José Bonifácio (atual José Trevisan).

A residência da família Haddad foi demolida há pouco tempo, era uma casa enorme, com uma varanda lateral e uma bela parreira de uvas brancas e rosadas, bem do lado da casa de esquina onde costumava ser a casa do Juiz de Direito da cidade. Hoje, na casa da esquina, funciona a simpática pizzaria do Luciano, a Spazzio.

Era uma casa sempre movimentada, pois o Sr. Salim e Dona Eugeny tinham filhos jovens, todos estudantes, que atraíam colegas e amigos. O mais velho era o Emílio, que logo se formou no Ginásio e foi fazer medicina fora da cidade; em seguida vinha o Victor, conhecido na época como Vitório. E foi justo o Vitório que conheci primeiro, pois ele ia muito à casa das minhas tias, parece que havia uma história de namorico entre ele e a tia Cristina.

E dessa história surgiu um episódio muito triste, envolvendo a tia Cristina, ainda adolescente e uma colega de classe, que pelos comentários, gostava do Vitório. A moça, inconformada com o sucesso da rival, tentou atingir seu rosto com um recipiente de ácido, em pleno laboratório. Felizmente o ácido atingiu apenas os cabelos, mas o susto foi tão grande, que minha avó resolveu mandar a tia Cristina para a casa da tia Loreta, em Catanduva, onde passou a morar e a estudar.

Da esquerda para a direita: Dr. Walter Salim Haddad, Dep. Estadual Rafael Baldacci Sobrinho, Dr. Antonio Melucci, Maurício Vieira Ribeiro, Dr. Emílio Salim Haddad, Janete Ferrari Haddad e Lourdes Mortati Semeghini

O Vitório deu efetivo apoio à nossa família, o que estreitou os laços de amizade entre as duas. Depois do Vitório vinha o Walter, mocinho ainda, naquela época, mas que já fazia balançar o coração das mocinhas, por causa de seus olhos e sobrancelhas ao estilo Rodolpho Valentino, galã do antigo cinema. A única filha do casal vinha depois do Walter; menina-moça, a Nádia era uma oriental de rara beleza.

1-Nádia Salim Haddad, 2-Manoel W. Régis(Dentista), 3-Mazini Stella(Fotógrafo), 4-Pedro Paulo Porto(Cartorário), 5-Tarquínio Bellentani, 6-Luíz Antonio Biella, 7-Antonio Compagno, 8-Rosmínio Ciryno, 9-??, 10-Pedro Fazzio, 11-Vitório Santarelli, 12-Lourdes Amoroso, 13-Belmiro Rondelli, 14-Benedito Galvão, 15-Ludovico Del Guércio, 16-Olímpio Próspero, 17-Vicente Nigro, 18-Raquel Biella, 19-José Trevisan, 20-Totó Gigliotti, 21-Geraldo Gallatti, 22-? Cardoso, 23-José Clemente(Nenê Cavaliere), 24-Estanislau ?, 25-Rubens Francisco de Arruda(Farmacêutico no Monjolinho), 26-Emílio Ferraresi, 27-João Bono(Ganito), 28-Aécio Gonçalves, 29-Antonio Manicardi

O caçula, três anos mais novo que eu, o César, era o mascote da família, mimado por todos os irmãos, revelou-se um simpático colega na escola, muito querido de seus colegas e amigos da vizinhança, pois os mimos que recebia em casa em nada influenciaram na sua conduta. Um dos mimos que recebeu, quando já ia lá pelos seus onze, doze anos, foi uma bicicleta importada, com breque no pedal, pneus balões, bem reforçada, da marca Admiral, que provocava a cobiça dos que a viam circulando na cidade.

 

O Vitório se formou lá fora, lá também se casou com uma moça de Pongaí, de nome Blanche Tannus, o Emílio e o Walter formaram-se médicos e voltaram para casa, passando a exercer sua profissão no nosso conceituado Hospital de Misericórdia. Os dois médicos foram bem namoradores, demoraram um bom tempo para se deixarem prender, mas como um dia a casa cai, o Emílio casou-se com a Shirley Ferrari e o Walter com a Maria Aparecida Saliba, a bela e simpática Salibinha.

A Nádia foi muito paquerada, mas não se casou. O César formou-se dentista, casou-se com a Marilene Gonçalves, com quem teve quatro filhos, sendo que o casal Antonio César e Marcia vivem nos Estados Unidos; o Carlos e a Marta Helena, dentistas como o pai, vivem perto dos pais. O Victor ou Vitório, também deu netos ao Sr. Salim, o Vitor e a Luciana.

A piscina não existe mais. A máquina de café, como todas que Itápolis teve, são hoje apenas lembranças, ou foram demolidas, ou tiveram outra destinação; as casas  onde moravam os proprietários ou foram também demolidas ou mudaram tanto de aspecto que pouco lembram os velhos tempos. Os enormes quintais com seus pomares, os caramanchões com suas parreiras de uvas foram postos abaixo para darem lugar a casas anexas, oficinas e garagens para os carros. De tanto viver a gente aprende que, nesse mundo, tudo é passageiro, poucas coisas se conservam, nós todos também mudamos, marcados pela ação do tempo e do próprio viver.