Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"O controverso mês do 'cachorro louco'"

Na cidade em que nasci e vivi a infância e a juventude e em mais duas outras em que trabalhei, agosto tem sido mês de festas e de alegrias. No mês de agosto, Itápolis, Monte Aprazível e Votuporanga faziam quermesses, missas solenes, procissões para homenagear seus santos padroeiros.  Itápolis continua comemorando com atos religiosos o dia 15 de agosto, dia do Divino Espírito Santo, seu Padroeiro.

Monte Aprazível ainda faz um arremedo de quermesse que dura uma parte de julho e se encerra em 06 de agosto, dia do Senhor Bom Jesus, que muitos chamam de São Bom Jesus, padroeiro da cidade.

Votuporanga comemora seu santo padroeiro no dia 8 de agosto que, para a cidade é dia de Nossa Senhora Aparecida. Os festejos não são mais como antigamente, mas ainda reservam um clima de alegria para este mês que tantos chamam de “mês de cachorro louco”, que tem na sua folhinha o temido e tenebroso “13 de agosto” que quando cai na 6ª feira então, Deus nos acuda.

A tradicional "Bandeira do Divino" sempre presente nas procissões

Nos velhos tempos de Itápolis, agosto era o grande mês do ano, a festa era animadíssima, a quermesse era modelar, riquíssima em atrações e durante quase um mês promovia um grande congraçamento popular. A gigantesca bandeira do Divino parecia cobrir todos os lares, todos os lugares, garantindo paz, calor humano, entusiasmo, o que afastava completamente o lado negro de que agosto tinha fama. O correio elegante, o entusiasmo da barraca do leilão, a suntuosidade da Missa Solene da Matriz, a concorrida Procissão do Divino, os paramentos dourados dos frades e padres, tudo isto era como se a cidade recebera uma bênção do céu.

Côn. Ednyr, Pe. Leonardo e Pe. Nilson celebraram a Missa Campal da Festa do Divino Espírito Santo, no dia 15 de agosto deste ano

Mais tarde, já nos meados dos anos 60, em Monte Aprazível, encontrei o mesmo clima e na mesma época, numa coincidência que fazia repetir-se a mesma alegria festiva de meus tempos de coroinha e de congregado mariano.

Senhor Bom Jesus, Padroeiro de Monte Aprazível

A festa de Agosto, que também começava em julho, tinha seu momento apoteótico no dia 6 de agosto, dia do Senhor Bom Jesus, padroeiro da cidade. Eram tempos do Cônego Altamiro, filho da terra e vigário há muitos anos daquela acolhedora cidade. A presença desse padre já era garantia de alegria, otimismo e festividade, pelo seu temperamento extrovertido, sua interação com a população inteira, sem distinção de classe e de poder econômico.

A quermesse me lembrava muito a de Itápolis dos anos 40 e 50, com suas barracas animadas e a novidade: as ceias diárias, promovidas pelos representantes das diversas colônias de imigrantes, reunindo todos numa barraca imensa, chamada de barraca-bar, onde se serviam as ceias dos italianos, dos árabes, dos espanhóis, dos portugueses, eventos esses que aconteciam ao som dos cantores locais.  Quando a ceia era dada como encerrada, começava a  tômbola ou bingo, como a chamam agora e muitos garantiam o almoço do dia seguinte, levando pra casa o disputado frango assado.

Nossa Senhora Aparecida, Padroeira de Votuporanga

Já nos primórdios dos anos 70, quando eu dividia o trabalho da Aliança Francesa entre Monte Aprazível e Votuporanga, pude ver e sentir o clima festivo do agosto votuporanguense. No dia 8 de agosto a cidade acordava em festa, com o espocar dos rojões na hora da Alvorada (6 da manhã), a Rua Amazonas toda engalanada e com uma atração nova para mim, as máquinas de suco de maracujá, alinhadas por toda a extensão daquela longa via do comércio, livres, gratuitas para todo o povo, que podia se servir do delicioso suco gelado do maracujá perobinha, riqueza agrícola daquele município, fonte de renda de inúmeros trabalhadores, de aquecimento do comércio local, de forte arrecadação para os cofres públicos. Era o Dia da Cidade, era o dia da Santa Padroeira, Nossa Senhora Aparecida.

Os tempos mudaram e muito, os costumes hoje são outros, não existem mais os “footings” que reuniam os jovens em tempos de namoro, as festas religiosas ficaram mais acanhadas, acabou-se a saída de depois da janta, quando as famílias se reuniam nas praças, levando as crianças para brincar de roda, jogar joguinhos infantis, comer pipoca e algodão doce.

Os jovens solteiros de hoje deixam para sair de casa cada vez mais tarde, geralmente em verdadeiros guetos onde crianças e casados não têm lugar, o clube da cidade vive às moscas, os bailes são mais shows de bandas barulhentas.

Agora que vivo em Santos, estou curtindo com alegria a conservação de costumes de outros tempos. Aqui as crianças são levadas às praças, as famílias se reúnem e se aproximam umas das outras nos bancos dos jardins da praia, as noites são movimentadas, iluminadas e cantadas pela alegria das crianças, dos jovens, das famílias que polvilham as ruas que levam às praças. Até quando, não sei e ninguém sabe. Mas que continue alegre enquanto dure.

No nosso Interior, agosto não é mais o mesmo e embora conserve suas datas festivas não tem mais as ruas movimentadas, ruidosas de conversas e de passos, acabaram-se os coretos, as fontes luminosas, agora apagadas, o bar do Zezinho de Monte Aprazível não abre mais, o Boulevard de Itápolis perdeu sua clientela alegre e jovial.  Onde ainda fazem festas, embora com menor entusiasmo, tratem todos de conservar e de animar esses eventos,  afim de seguir espantando o “mês de cachorro louco”.