Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"Vem à luz mais um fruto do amor"

Consta que a família, célula máter da sociedade tem seu nascimento na união pelo amor.  Dela brotam os filhos, desses os netos e toda a cadeia dos laços familiares. Já li muita coisa a respeito da origem da família, textos os mais diversos, ensaios sociológicos, teses antropológicas e posso dizer que nenhuma delas escapa para muito longe da definição inicial desse parágrafo. Agora, vamos ao que interessa: como eram recebidos os novos rebentos nas antigas famílias de nossa mais tenra Itápolis?

A vida humana começava e findava entre as paredes de nossas casas. O bebê, tão esperado, nascia no quarto do casal, assim como o corpo dos que morriam era velado na sala principal de sua própria casa. Havia toda uma preparação para o grande dia, a confecção do enxoval, a compra do berço, da bacia e do jarro para o primeiro banho, dos complementos do banho, dos apetrechos apropriados para recebê-lo.

Não se falava em acompanhamento pré-natal, esse era feito com naturalidade com o concurso das mulheres mais experientes da família.  A parteira era assunto para se tratar no último mês da gravidez, a intervenção de um médico só aconteceria se o parto se complicasse e as vida do bebê e da parturiente entrassem  em rota de risco.

Eu era o mais velho de minha mãe e o quarto filho de meu pai, depois de mim houve vários partos em minha casa, vivi essa experiência várias vezes. A gente percebia que a mãe estava esperando nenê pelo tamanho da barriga, por certos cuidados que se tomavam com ela, pelos cochichos com as irmãs e com as amigas dela e só.

Não se tocava no assunto com as crianças, as roupas da gestante escondiam ao máximo sua silhueta, a barriga que abrigava uma vida era tratada com enorme respeito. Era o ambiente de preparação que nos punha a par da evolução da gravidez, o tricotar dos sapatinhos, a costura das camisinhas e blusinhas delicadas, a compra das faixas, as famosas faixas, o cobertorzinho que chegava de presente, a confecção das fraldas, as toucas azuis, cor-de-rosa, amarelas e brancas, os cueiros de algodão e de flanela adornados com sinhaninhas, os lençoizinhos, as colchas de piquê, os babadores, tudo feito em casa ou por parentes.

Dª Inês Mursi, a parteira

A semana decisiva logo se percebia que tinha chegado, pois todo o enxoval era lavado, algumas peças eram engomadas, tudo era passado com aqueles ferros em brasa, acomodados e guardados na cômoda. O dia D chegava trazendo o corre-corre das mulheres que passavam pela sala carregando jarras de água quente, a bacia super lavada, as toalhas, era um entra-e-sai danado e tudo ficava claro com a chegada indefectível da Dona Inês Mursi, que entrava e ia direto para o quarto, deixando na sala o perfume de seu talco Gessy que já era familiar lá em casa.  Logo se ouvia o choro do recém nascido e era enorme a curiosidade para se saber se era menino ou menina.

Mais tarde a porta do quarto se abria e a futura madrinha saía trazendo o nosso irmãozinho ou irmãzinha, todo cheiroso do talco e dos óleos, enfaixado dos pés até o tórax, protegido pela blusinha e pelos sapatinhos que a gente viu na fase do tricô.

A saída à luz da sala era rapidinha, o suficiente para que todos vissem o novo membro da família que ainda não abrira os olhos. Bem mais tarde, depois da saída da Dona Inês, a gente era convidado a ir ver a mamãe, já arrumadinha, sorridente, pronta para receber o nosso carinho.

A gente sabia que ela ia entrar na quarentena, um período de resguardo que se arrastava por quarenta dias, durante os quais todo cuidado era pouco, desde a alimentação até os cuidados com o corpo, ficando sem lavar a cabeça, sem levantar pesos, sem fazer esforços inadequados. Essa era a regra que as mulheres rodeadas de criadas e agregadas costumavam obedecer, porque aquelas que não contavam com esses luxos, observavam o resguardo por no máximo uma semana, ajudadas por vizinhas, parentes, enquanto dispunham de tempo e logo voltavam às lidas domésticas.

O recém nascido demorava sete dias para ter seu umbigo cortado, o que criava uma série de cuidados para evitar o terrível “mal de sete dias”, a infecção umbilical que podia levar à morte. Durante vários meses o bebê vivia agasalhado, enfaixado, até se constatar que ele já estava firmando o corpinho.

Esse primeiro período de vida era cercado de cuidados especiais e fonte de muitas promessas. Muitas mães faziam promessas as mais curiosas para que o bebê vingasse, com boa saúde. Algumas se comprometiam a não permitir que cortassem os cabelos da criança até determinada idade, o que fazia com que às vezes os circunstantes ficavam em dúvida se se tratava de menino ou de menina. Algumas prometiam vestir a criança de anjinho e a levavam para acompanhar as procissões.

Na época de minha infância, os cabelos cacheados faziam o sucesso de muitas crianças. E quando alguém chegava trazendo pela mão ou no colo uma criança corada, robusta, cheia de vida, logo se ouvia a famosa saudação “Benza Deus”, que em bom português se deveria dizer “Benza-o(a) Deus!”