Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"A Sabedoria da Vida"

Estive na minha terra natal no último fim de semana. Quando saí de casa nesta viagem, tinha a intenção de passar nela uns cinco dias, tempo que daria para reunir-me com o Valentim Baraldi e o Sinibaldi Del Guércio Filho, meus companheiros na edição de meu livro, com os quais ultimaríamos a edição do volume 2 das “Histórias que não foram escritas”; tempo também para rever meus parentes e meus amigos, de quem sinto falta e saudades.

A viagem foi longa, tanto no sentido temporal, como no sentido das distâncias. Mara e eu ficamos fora de casa 15 dias, indo até Monte Aprazível onde, por causa da morte do irmão dela, ocorrida há pouco tempo, cabia a ela resolver problemas práticos e burocráticos, o que tomou boa parte dos dias viajados.

Recebidos por nossos parentes, sempre hospitaleiros, vimos também alguns poucos amigos que o acaso fez-nos encontrar; minhas filhas, netas e bisneta, lá em Rio Preto, as vi na folga do domingo, Dia das Mães, o que me deixou aquela impressão do “podia ser mais tempo”.

Quando as providências tomadas pela Mara chegavam ao fim, olhei na folhinha e vi que já era dia 16 de maio e que um compromisso inadiável em São Paulo estava chegando a galope. Agendado para o dia 20, um exame de retina, já remarcado desde o começo de março, era a coisa mais importante que eu tinha que fazer na vida, pois estou constatando a perda da visão, o que se nota a cada dia que passa. E a ficar cego confesso que prefiro deixar de viver, pois se tem alguém que curte as paisagens, que se empolga com as obras de arte, com o colorido do mundo, que se emociona com o rosto das pessoas queridas, com a expressão, o olhar e o sorriso de seus semelhantes, esta pessoa sou eu.

Segunda feira, 19, de manhãzinha, eu já estava na estrada, deixando para trás a minha querida Itápolis e dentro dela meus irmãos, cunhada, sobrinhos, amigos que pretendia abraçar e nem visitei, para ir parar na caótica São Paulo, cada vez mais inviável para a vida. Felizmente já estou de volta à tranquilidade de Santos, podendo retomar minhas atividades, que segundo o parecer do especialista, não está tão ameaçada como eu temia.            

Quem passa dos oitenta anos de idade logo toma consciência de que paira sobre si a incerteza do amanhã, o estreitamento do horizonte, a fragilização do vigor físico, da memória, principalmente dos atos e fatos imediatos, sem deixar de constatar que você, o idoso avançado, já não oferece a importância e o interesse que muitos dos seus circunstantes lhe atribuíam antes.

A vida, exceto quando é ceifada precocemente, se ela cumpre sua jornada natural, é sábia, a ponto de nos preparar para deixá-la. No início esta preparação é quase imperceptível, você vai perdendo passo a passo seus entes queridos, alguns de seus amigos diletos partem fora do esperado, o cenário que o cerca vai-se modificando, seus ídolos desaparecem, os sons que agradavam aos seus ouvidos vão-se emudecendo e dão lugar a outros que lhe são estranhos, depois indiferentes, chegando alguns às raias do abominável, tudo vai-se modificando em modo subtrativo, nada mais natural, nada mais previsível.

A gente acaba entendendo que aquele mundo que o recebeu era o seu mundo, foi feito para você, tudo nele se encaixava e se você soube desfrutar de todas as suas belezas, de todas as suas delícias, de todos os seus encantamentos, sublimidades, de toda sua magia, você pode olhar para trás e concluir que foi feliz, o que importa é o que você viveu, sobretudo se você viveu intensamente e, devagar você vai entendendo que tudo aquilo que agora lhe é estranho, desagradável, inadequado, pode ser-lhe tudo isto, menos ser inaceitável, pois você que teve tudo de bom para você, compreenderá que o novo é o mundo dos que chegaram bem depois e dos que estão chegando. Esta é a sabedoria da vida.