Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"A casa acolhedora de Lufti José Lutaif e sua família"

A loja na esquina da avenida XV de Novembro com a Rua 13 de Maio está lá até hoje, só mudaram os nomes das ruas (Pres. Valentim Gentil com Rua Ricieri Antonio Vessoni). Mas era diferente!

 Bomba de Gasolina na calçada da Casa Lutaif

Primeiro, porque tinha uma bomba de gasolina em plena calçada, depois porque tinha um intenso movimento de fregueses, naquele estabelecimento abarrotado de mercadorias as mais diversas. E atrás do balcão a figura imponente e elegante do proprietário.

Seu nome era pra mim tão atraente, que foi o primeiro nome que decorei inteiro, mesmo sendo composto de mais consoantes do que os nomes dos outros imigrantes. Lutfi José Lutaif – Lutfi fazia agradável aliteração com Lutaif. Ali estava ele, dono de um bigode que mandava no rosto, sempre bem aparado e com o mesmo formato.

Anexa à loja, vinha a casa com a entrada esculpida no lado da 13 de Maio. Era uma casa com janelas para a calçada, indicando que tinha vários cômodos.

Da abertura da ponte sobre o Rio da Carlota, lá no meio do quarteirão da XV de Novembro, dava pra ver o fundo da casa dos Lutaif. O terreno rebaixado fazia com que o piso que era térreo desde a entrada da rua, se tornasse primeiro pavimento quando atingia o fundo. Uma varanda se estendia desde a saída da presumida sala até o extremo do terreno.

Descia-se para o quintal, servido por cômodos alinhados debaixo da varanda, certamente usados nas serventias da casa e mais para o lado do rio, aquele pomar. Que pomar!

Na minha inocente infância eu comparava aquele recanto com a imagem do Paraíso, que vi num livro de minha mãe. Eram todos de frutas proibidas para as Evas e os Adãos que espiassem lá do muro.

Ali naquele adro, que lembrava os filmes do Simbad, dos sultões, onde os personagens vividos por Maria Montez e John Hall exibiam todo o encanto do mundo oriental, vivia uma grande família.

Vindo do Líbano, da simpática Hasbaya, o Sr. Lutfi, que já havia passado um tempo nos Estados Unidos da América, que já tinha dado suas voltas em São Paulo, onde conheceu a jovem Assma, da família Yasigi, ali morava com ela, sua esposa e com seus filhos.

Quando eu, criança, já andava pelo bairro, a família Lutaif já estava formada, casal e sete filhos. A mais velha era a Faridi, a pioneira no rompimento de uma velha tradição de casamentos entre obrigatoriamente árabes. Faridi bateu o pé e a boa formação de seus pais possibilitaram o primeiro casamento, em Itápolis, de uma filha de libaneses, com um filho de italianos.

Dona Faridi, hoje viúva, tem boas recordações daquele tempo. Do casamento com meu professor de Educação Física, João Ovídio Guzzo, vindo de Taquaritinga. Nasceram, então, a Railda, que é minha vizinha aqui em Santos e o Rubinho, que vi no colo de sua mãe e que hoje já exibe seus cabelos brancos. Cabelos brancos de avô, pois ele e sua esposa Cleuza Buscariolo Guzzo têm três filhos, Daniela, Gabriela e Rubens Jr. dois netinhos e a promessa de um terceiro pra bem logo.

 José, o segundo filho de Assma e Lutf Lutaif

O segundo filho, José, já falecido, era o braço direito do Sr. Lutaif na loja. Mais velho que eu, mas companheiro de serestas e de bailinhos fora da cidade, era tímido para os mais distantes, mas muito divertido para os amigos mais chegados, como o Idiomar Semeghini, o Henrique Zabini, o Teodósius Chammas e eu. Casou-se com Cleuza Robert, com quem teve três filhas, Marta Helena, Ana Paula e Carla Beatriz.

A terceira filha, a Hilda, hoje morando em São Paulo, está viúva de Neder Boussab; Hilda se distinguia das irmãs, todas claras e de pele rosada, Hilda era morena, de cabelos pretos.

Depois da Hilda vem a minha professora de Matemática, a Nely, que lecionou vários anos no nosso “Valentim Gentil”. Nely hoje também mora em São Paulo, ficou viúva do Josmar Martinelli, que conheci em 2009, criatura simpática e de fino trato.

O filho que vem depois da Nely é o Alberto, hoje viúvo de sua prima Arlete Yasigi Lutaif, com quem teve três filhos, Renato, Flávio e Adriano.

15/12/1957 - 1ª Turma de Aperfeiçoamento

        Da esquerda para a direita: Araldo do Amaral Arruda, Matilde e Tufik Lutaif, Zilá e Hermes Bottini, Brandina Custódio e ? DÁndréa, Inês Celli Ramalho e Odevalde(Dê) Micheletti

O sexto filho do Sr. Lutaif e Dona Assma, foi o Tufik, um pouco mais velho que eu, contemporâneo de ginásio e Curso Colegial Científico, outro que ajudava na loja quando não ia à escola. Tufik casou-se com Nazir Maria Hartung, com quem teve duas filhas, a Marisa, minha amiga virtual e a Márcia. Tufi e Nazir tiveram uma longa amizade com meus tios Bibi e Belmiro Rondelli, já falecidos assim como ele.

E chegamos à caçula, a Mathilde, minha coleguinha da escolinha da Dona Mazé. Mathilde permanece solteira, certamente por opção de vida, pois sempre foi uma criatura bonita, agradável e bondosa, sei disso pelo testemunho de suas colegas e amigas. Mathilde também mora em São Paulo.

Toda essa filharada do casal Lutfi e Assma se espalhou, mas aquela casa acolhedora continua intacta, do jeitinho que sempre foi e pertence aos Lutaif. E aquela casa, cheia de quartos foi também uma espécie de “consulado” do Líbano em Itápolis, pois os imigrantes recém chegados faziam sua primeira parada invariavelmente lá.

O Sr. Lutaif, que no Líbano era de família de ótimo nível cultural, o pai do Sr. Lutf era Juiz de Direito, o Sr. Lutfi, poucos sabem disto, tinha diploma universitário, era dentista e esses atributos o tornaram um guia aos “patrícios” que buscavam o Brasil, merecedor que era de sua confiança.

Eles chegavam, eram alojados num dos quartos daquela casa, iam-se adaptando com a ajuda da família Lutaif, logo começavam a trabalhar; rapidamente já falavam português e, num piscar de olhos, estavam perfeitamente familiarizados com seus vizinhos, seus novos amigos e, principalmente, com seus fregueses.

Hoje, quando me lembro de pessoas como o Sr. Lutaif, como o Sr. Luciano Armentano, como o Sr. Salvador Monzillo, como o Sr. Antonio Compagno e tantos outros personagens do meu cenário de criança, eu vejo que o fim do mundo já aconteceu inúmeras vezes, aquele mundo acabou, como outros mundos acabaram antes para as gerações passadas, neste redemoinho cíclico que dá vida ao planeta onde vivemos.