Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"A Família Mucari"

Na minha mais tenra Itápolis havia pouquíssimos sobrados, um deles ficava numa esquina perto do Campo dos Amaros, como era chamado o estádio do Oeste F.C., outro era no fim da antiga Av. XV de Novembro, atual Valentim Gentil, era a casa dos Sobrano, do popular Pica-fumo.

Pensão Malagolli, hoje Guzzo Magazine

No quarteirão do Ponto de Jardineiras, na Rua Padre Tarallo, havia duas hospedarias instaladas em sobrados, a Pensão Mogiana e a Pensão do Malagolli, cujo nome não me vem à cabeça.

Casarão que também era o consultório do Dr. Paulo Brasil e que pertence à Família Mucari

Prefeito Ricieri A. Vessoni na inauguração do prédio da Escola Valentim Gentil

Perto da minha casa havia o casarão do Dr. Paulo Brasil, que tinha porão habitável, onde funcionava seu consultório médico e sua enfermaria, o térreo e o primeiro andar.

 
 

Na Rua Barão do Rio Branco, esquina da Av. Eduardo Amaral Lyra, tínhamos o sobrado onde morava a professora de Canto Orfeônico, Dª Joanita Vanicore Senatore. Já pelos fins dos anos 40 o Toninho Vessoni, hoje nome de rua, construiu um belo sobrado, na esquina da antiga Rua Rui Barbosa com a Av. Campos Salles.  Era só? Não.

No coração da cidade, a um passo da Matriz, descendo um pouco a Valentim Gentil, à esquerda, tínhamos o sobrado onde embaixo funcionava uma farmácia e em cima morava a simpática família dos Mucari, donos da farmácia. Quando os conheci, o Sr. Elias já era grisalho, sua esposa, Dona Fumía, de raríssimas aparições em público, já ostentava seus primeiros e escassos cabelos brancos, que aliás não se multiplicaram. Eram libaneses e vieram da já familiar cidade de Hasbaya. Sei que antes de virem para Itápolis tiveram uma passagem por Ibitinga, onde nasceu o mais velho dos seus filhos, o Emílio, aquele moço alto, bem afeiçoado, que era conhecido por todos como Camilo.

Se me lembro bem o Camilo tinha constante presença ao lado do pai, nas atividades da Farmácia Mucari, que na minha infância era a mais próxima de minha casa. Lá eu ia comprar envelopes de Guaraína ou de Veramon, que eram as “aspirinas” da época.

Os dois eram bem altos, o que facilitava pegar os grandes vidros que guardavam a erva-doce, o bicarbonato de sódio e outros produtos que eram pesados numa minúscula balança de precisão que ficava sobre o balcão. Era tempo de remédios manipulados, toda farmácia tinha um laboratório ao fundo, onde se aviavam as receitas fornecidas pelos médicos de então.

Essas receitas eram na verdade, fórmulas, que para não serem copiadas por incautos, vinham escritas naqueles garranchos quase ilegíveis que ficaram conhecidos como “letra de médico”. O farmacêutico as interpretava muito bem.

Houve um tempo em que meu pai combinou com os dois, Sr. Elias e o Camilo, que eu fosse trabalhar ali na farmácia, fazendo entregas pela cidade ou ajudando na arrumação das prateleiras. Meu emprego durou pouco, pois logo entrei no Ginásio, mas foi o suficiente para nascer em mim um grande apreço por todos daquela linda família.

"Camilo" Mucari um do mais atuantes prefeitos de Itápolis

Além do Camilo a família se compunha da Olinda, chamada de Linda, mas na verdade seu nome era Maria; moça recatada, discreta e bondosa como a mãe; um pouco mais novo que ela era o Abibque, em casa e entre os íntimos, era chamado de Bibo. Esse era a alegria em pessoa, muito popular e namorador, Abib fugia do casamento com uma destreza invejável, era alvo de uma grande simpatia pelos seus contemporâneos.

Depois vinha o Râmis, será que alguém se lembra dele? Revelando seu nome de registro, todos se lembrarão do Dr. Fauze, médico que, logo que se formou, passou a exercer sua profissão em Itápolis; montou consultório na nova casa dos Mucari, outro sobrado, o casarão que foi do Dr. Paulo Brasil, na esquina da Rua 13 de Maio, atual Ricieri A. Vessoni, com a Av. Francisco Porto. Lembro-me da bela placa no portão: “Dr. Fauze Mucari – Médico”.

Foi por ela que descobri que Râmis, assim chamado em casa e pelos colegas ginasianos, chamava-se na verdade Fauze. Vive em São Paulo, onde conserva a amizade com seu antigo colega de ginásio, o Dr. Michel Batlouni.

Os mais jovens da família eram a Máriam que, no meu tempo chamávamos de Meire, moça bonita, alta, esguia e elegante, sempre sorridente, a mais parecida com o Camilo, que estudou no nosso ginásio e ali fez inúmeras amigas.

Também estudante, conheci o caçula dos Mucari, o Fuad. Rapaz alegre, simpático como poucos, Fuad completou o colegial e foi cursar Odontologia em Ribeirão Preto. Visitava sempre sua família nos feriados e nas férias. Amigo do Renato Brunelli, partilhou com ele grande paixão pela aviação. Nas horas de folga e nas férias foi fazendo suas horas de vôo até fazer seu solo e tornar-se aviador.

Renato Brunelli e Fuad Mucari - paixão pela aviação

Numa de suas folgas, Fuad foi ver seus pais numa aeronave de pequeno porte. Foi sua última visita, pois no retorno a Ribeirão Preto foi vítima de uma fatalidade. Como nos explicou em classe, seu amigo e nosso professor de matemática, Renato Brunelli, só mesmo a fatalidade poderia explicar aquela colisão com outra aeronave. Uma semana depois dessa emocionada explicação à nossa classe, o nosso querido Renato também perdeu a vida num acidente muito próximo da pista de nosso antigo “campo de aviação”.

O Camilo casou-se com nossa professora da Escola Normal, Dª Idalina, com quem formou um par muito bonito e elegante, deixou de ser Camilo para tornar-se o prefeito Emílio Mucari, revelando-se homem público admirável pela sua conduta irreprimível. Emílio Mucari governou o Município de Itápolis de 1964 a 1969. Com Dª Idalina teve os filhos Elias (o Gucho), a Eliana, o Emílio Jr. ( o Teco) e a Eliete.

Outro filho do Sr. Elias que se casou foi o Dr. Fauze. Numa festa de casamento de parentes em Pirajuí, conheceu sua futura esposa, Dª Julia Barude Jaime Mucari.

Depois de atuar como médico na nossa cidade, depois de ter participado da fundação da Casa de Saúde São Lucas e de ter militado na política local, mudou-se para São Paulo onde vive com sua esposa, seus filhos Fábio, Patrícia e Priscilla. Dos bisnetos de Sr. Elias e Dª Fumía só conheço minha amiga virtual, filha do Gucho, Camila, que é advogada e tem seu escritório em Feira de Santana, na Bahia.

Por mais esta gente admirável, dizemos mais uma vez: obrigado, Hasbaya!