Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"Ceraico, Zanatta, Massari, Possari, tutti buona gente!"

 

Na minha mais tenra Itápolis, quando menino, lá pelos anos 38, 39, eu vivia correndo ao açougue dos Scaramuzza; à Casa dos Dois Irmãos, do Calmillo e do Fuad; ao vizinho armazém do Armentano e também ao armazém dos Irmãos Ceraico, a Casa Ceraico, que funcionava num prédio pintado de vermelho quase vinho, ali na Rua 13 de Maio (Ricieri A. Vessoni), entre a Av. XV de Novembro (Pres. Valentim Gentil) e a Av. Florêncio Terra, descendo pela calçada da esquerda.

Eu gostava muito de ir ali, fazer compras pra minha mãe, porque era uma loja muito simpática, muito limpa, bem arrumada e os irmãos Ceraico, filhos do Sr. Luiz e de Dª Aristéia Ceraico,  tratavam a freguesia de modo cortês e bem humorado.

O comando do armazém ficava por conta do Sr. Henrique, um tipo acabado de italiano, ar circunspecto, por vezes austero, o que não passava de aparente sisudez, pois o Sr. Henrique era pessoa de fino trato, elegante nas vestes, nos gestos e nas palavras. Eu devia ter entre seis e sete anos quando comecei a ir lá e logo me afeiçoei aos três irmãos: Henrique, Luciano e Giácomo. Ali se vendia de tudo, desde cereais, até ferragens, ferramentas agrícolas, instrumental de costureiras e de manicures.

Havia mais um irmão na família, o Victorino, mas esse não era comerciante, era fazendeiro. Naquele tempo, ainda antes de eclodir a Segunda Guerra Mundial, que também era chamada de Segunda Grande Guerra, já que ainda era recente a Primeira Guerra Mundial, a que durou de 1914 a 1918, dizia eu, o comércio brasileiro importava quase tudo e os maiores parceiros comerciais do Brasil eram a França, a Itália, a Bélgica e a Alemanha, essa última exibindo um altíssimo conceito dada a esmerada qualidade de seus produtos. As tesouras, as tesourinhas, as pinças, eram da marca Solingen, as enxadas, os enxadões, as pás, as picaretas levavam a marca Stanley, e daí por diante.

O Henrique era casado com Dª Santa, de rara aparição ali na loja e os dois não tiveram filhos. O Giácomo casou-se com Dª Letícia Perrone e tiveram dois filhos: a Yeda e o Luís Domingos, cujo nome era uma homenagem aos seus avós, Domingos Perrone e Luiz Ceraico.

Quando eu saí da cidade para os estudos, o Luís Domingos ainda era um adolescente, depois mudou-se de lá e, morando em São Paulo, viajou bem antes do combinado, deixando nosso convívio ainda jovem. A Yeda casou-se com meu antigo vizinho, o Darcy José Brunelli, que se formou em farmacologia e exerceu sua profissão com muito brilho. Tiveram duas filhas, a Cristina e a Ana Lúcia, A Ana Lúcia, a mais jovem vive atualmente em Campinas; a Cristina casou-se com o Paulo Mazzo, filho de minha irmã Zizinha e acabou virando minha sobrinha torta. A Yeda hoje está viúva do Darcy, que nos deixou recentemente e tem duas netas, filhas da Cristina: a Marcella e a Paula.

O Victorino, que lidava com fazenda, casou-se com a viúva Zanata, Dª Elisa Fornaciari e moravam num belo casarão, na esquina da Rua 13 de Maio com a Av. Florêncio Terra. Dª Eliza trouxe do primeiro casamento, seus três filhos, o popular Candinho Zanata, que acabou se mudando para Rancharia, a Ilda e a Diva, que se casou com o Abílio Sacaramuzza.  O Luciano era casado com Dona Stella e tinha quatro filhos, a mais velha era a Zuleisse; depois vinha a Isolina;  tinha um rapaz de nome João e a caçula, que tinha o mesmo nome da avó paterna, Aristéia, uma moça linda que, com a Zuleisse passava os fins de tarde na mureta do jardim de sua casa, ali na Av. XV de Novembro e por causa dela, eu, já rapazola, quase afundei aquela rua.

A filha do Luciano, Isolina, casou-se com um moço de família muito conhecida dos itapolitanos, o Edmundo Massari e passou a fazer parte da família do Sr. Ciniro e de Dª Eponina. Os Massari tinham uma bela fazenda, bem próxima da cidade, à qual se chegava pegando uma estrada que começava no fim da Avenida Valentim Gentil, lá na Vila Nova, passando ao lado da casa do Sr. Francisco Monteleone, o conhecido Chico Tripeiro. Da nossa varanda, lá na velha casa da Francisco Porto, podiam- se ver as casinhas brancas, alinhadinhas, da colônia dos Massari, nos tempos de cafezais. Antes da colônia também se via um enorme e lindo bambual.

O Sr. Ciniro e a Dª Eponina tiveram três filhos, o Edmundo, o Roberto e o Ubaldo. O Edmundo, já disse, foi casado com a Isolina Ceraico; o Roberto, que foi meu professor e por quem eu e toda a classe tínhamos grande admiração, casou –se com a filha mais velha do farmacêutico Sr. Euraclides de Oliveira, a Helena, irmã da Nilza Alves de Oliveira, que na juventude era indispensável nos times de basquete e de vôlei do nosso velho Ginásio. Helena e Nilza tinham também um irmão, muito conhecido nos meios estudantis e esportivos e era tratado como Tim-Tim. 

O nosso querido professor Roberto teve morte prematura, o que entristeceu muito nossa velha Itápolis. O mais novo, o Ubaldo, tratado pelos amigos como Ubaldinho, formou-se professor e se casou com a Maria de Lourdes Possari, também professora, filha do sitiante e comerciante, Sr. Augusto Possari e de Dª Amália Bonora Possari.  O Sr. Augusto e Dª Amália, quando moravam no sítio, alugaram uma casa do Sr. Lutaif, ali perto de nossa casa, lá instalou a Maria de Lourdes e seu irmãozinho Claudovino Orival, o Vino e a simpática e bondosa Noninha, Dª Isolata Fenile Bonora, mãe da Dª Amália, para cuidar dos seus netos, enquanto eles cursavam o 2º e 3º graus. A Maria de Lourdes e o Ubaldo tiveram cinco filhos, o Ciniro; o Ubaldo Jr, conhecidíssimo Juca, que foi prefeito de nossa cidade; o Cícero Augusto; a Cynthia Patrícia, falecida prematuramente e o Ciro Henrique.

Eu já disse e torno a repetir: na Itápolis dos anos 30, 40, 50, as famílias se entrelaçavam de tal forma que era arriscado falar de pessoas ausentes na roda, pois provavelmente havia ali alguém com parentesco com a “vítima”; acho que até hoje isso é arriscado. Começamos falando dos Ceraico, cujo armazém durou até fins dos anos 60 e os ligamos com outras famílias bem queridas naquela época. Tudo ficou no passado, fechou-se o armazém vermelho quase vinho, derrubaram o bambual e a colônia, mas as pessoas que já se foram têm sua lembrança espalhada pelos que os sucederam.