Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"Um arbusto, um aroma e a saudade"

 

Hoje pela manhã andando por um trecho da Rua Pedro de Toledo, no bairro do Ibirapuera, em São Paulo, um aroma que há muitos anos não sentia, levou meu olhar para uma mureta e uma casa estilo colonial onde florescia um arbusto, carregado de flores frágeis e onde já despontavam alguns pequenos frutos bem verdinhos, ainda mal formados.

Nada extraordinário naquele cenário, a não ser aquele aroma que me intrigava e me fez parar,  me aproximar daquele arbusto ainda indefinido. Aquele cheiro me transportava a uma cena muito antiga, ainda meio vaga. E somente quando o suave vento me trazia o aroma é que a cena se apresentava em minha retina.

Tia Bibi, mãe da minha prima Cacilda

Aquele momento continuava impreciso e estranho até que a figura da Cacilda, a prima de lindos e grandes olhos, filha da minha tia Bibi, saiu da nebulosidade e se tornou nítida. Mais uma leve brisa, mais uma dose do aroma e a irmã dela, a Heloisa, também se fez presente. Ainda eram mocinhas, com aquelas saias pregueadas que iam até as canelas, suas imagens se foram cristalizando a cada sopro do vento.

Mas ainda não dava pra saber onde e quando era aquilo, até que surgiu a imagem ainda imprecisa de minha irmã Maria Izabel, mais alta que as duas, de saia também pregueada, moda daquela época, minha irmã mocinha, esbelta, cabelos cor de mel, que sempre me  encantaram, aquele muro de pintura gasta e aquele cheiro de fruta silvestre, ainda irreconhecível.

De repente a cena se completou, com o surgimento de minha prima Iara, a mais nova ali presente, a filha de minha tia Loreta. Sobre o muro surgiram os galhos carregados daquela frutinha azeda e deliciosa, chamada uvaia, apelidada de azedinha.  Era o muro da casa em que morava, na época, meados dos anos 50, a família do Dionísio e do Maurício Calça. Era a Itápolis que eu visitava nos feriados prolongados e voltava carregado de nostalgia para a São Paulo de meus estudos.

Vi uma serviçal que cuidava da limpeza daquele jardim, chamei-a e pedi-lhe se podia colher uma daquelas florezinhas e uma daquelas promessas de frutas. Ela os colheu e me entregou sorrindo. Agradeci e nem tentei explicar-lhe o porque do meu pedido. Seria trabalhoso fazê-la entender que ali estava um remanescente da minha mais tenra Itápolis.

Limitei-me a carregar na palma em concha de minha mão aquelas testemunhas de uma época indescritível da minha vida ainda sem máculas, ainda sem culpas, ainda sem arrependimentos. A flor murchou num instante, o pequeno fruto enrugou e enegreceu, ambos me recolocando no meu mundo real, distante daquele momento mágico.

A polpa do Abiu é gelatinosa e, em geral, de cor gelo, com sabor às vezes doce. O seu fruto maduro ou verde tem um látex que se coagula em contato com o ar e cola nos lábios.

Possui as vitaminas B1, B2, B5 e C. Sais minerais: cálcio, fósforo e ferro, este em menor quantidade dentre os três.

Seus frutos ingeridos naturalmente são indicados contra pneumonia, bronquite, anemia e desnutrição. Também pode ser usado nos casos de convalescência.

A polpa da jaca com seu sabor indescritível

Já distante daquele cenário, aguardando que meu filho fosse atendido pelo médico, deixei que minha mente reconstituísse aquela cena e, como eu tinha todo o tempo para devanear, comecei a aliar àquele arbusto, àquele pé de azedinha, o coqueiro que estava ali próximo, sempre

 
 
 

com seus cachos carregados e oleosos, ao pé de

 jaca miúda que se exibia no fundo do quintal dos Vessoni,  ao frondoso pé de

A beleza do pintassilgo

  O Melão de São Caetano é um cipó muito comum em cercas e entulhos de terrenos abandonados. sua fruta cor de ouro com espinhos moles na superfície se abre espontaneamente em partes e, quando maduro, mostra suas sementes vermelhas comestíveis de grande beleza e paladar suave, muito apreciado pelas crianças

abiu, que dava frutos que nunca mais eu vi iguais, em tamanho e em beleza, às carambolas douradas do Sr. Zezinho Chammas.

 
 
 
 

Lembrei-me do aroma silvestre da lima de bico e do limão doce que sumiram de vista, fiz ressurgir a cerca car

 

regada de melão de São Caetano do quintal da Sinhana Baiana e,

A deliciosa lima de bico

lembrando dela, resgatei aquele suntuoso bambual do fundo de seu terreiro, onde se escondiam gambás, ninhos de tico-ticos e de rolinhas, onde se penduravam os sabiás,  os bem-te-vis,  os pintassilgos, as corruíras, em cujas

 
 

varas mais tenras, saltitavam os tizios.

 

  Cenário que um dia foi meu mundo, frutas que um dia fui buscar lá em cima, aromas que um dia inebriaram meus sentidos, mocidade que um dia foi meu ponto de partida para aventuras e sonhos e para a busca frenética do futuro que até hoje não chegou.