Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"Minhas coisas inesquecíveis"

Almanaque Capivarol uma publicação destacada...
Almanaque Bayer, outro grande destaque

Na minha mais tenra Itápolis era usual e comum a leitura assídua de alguns periódicos, revistas mensais, almanaques anuais, romances de coleções de publicação mensal e outros tipos de publicações. Entre os mais destacados estavam o Almanaque Capivarol, publicação anual, que era distribuído gratuitamente pelas farmácias. O Almanaque Capivarol foi uma publicação institucional distribuída nas farmácias brasileiras no século XX, contendo propagandas de remédios e diversas curiosidades, tais como feriados, dias santos e datas comemorativas, anedotas, períodos favoráveis da lavoura (plantio, colheita, etc.) ou de pesca, excertos literários, e criações escritas da sabedoria popular, etc.Teve sua primeira publicação em 1919, na cidade do Rio de Janeiro e visava divulgar o tônico chamado Capivarol, fortificante à base de óleo extraído da capivara. Este almanaque disputadíssimo pela população era lido tanto na cidade como pela população das chácaras, sítios e fazendas. Outra publicação gratuita de grande repercussão na época era a revistinha do Jeca Tatu, editada sob os auspícios do Biotônico Fontoura, outro produto destinado a fortalecer as crianças, os jovens e os adultos. Era muito comum na época o uso de tônicos fortificantes. Havia o famoso Vinho Reconstituinte Silva Araújo, um “fosfato de cálcio monobásico peptona quina mineira. Conteúdo: 250 ml – INDICAÇÕES: Medicação tônica nas convalescenças e estados de desnutrição”

Propaganda do Rhum Crosotado

Agora leia esta quadrinha, tão comum de se ouvir nos alto-falantes daquela época:

 

Veja ilustre passageiro,

O belo tipo faceiro

Que o senhor tem ao seu lado.

E no entretanto, acredite,

Quase morreu de bronquite,

Salvou-o o RHUM CREOSOTADO".


Contra traumas, bronquites e depressão; gastrite, desemprego e inflação; o melhor remédio é a ilusão!

Era a propaganda de um produto farmacêutico de grande emprego nos velhos tempos.

Ler era um hábito das pessoas, independente de sua condição social; a coleção de romances açucarados “M. Delly” pseudônimousado por Frédéric Henri Petitjean de la Rosiére e sua irmã Jeanne Marie Henriette Petitjean de la Rosiére, escritores franceses, era muito popular; as pessoas faziam uma assinatura da coleção e a recebiam mensalmente pelo correio. O último romance da M Delly era assunto nos encontros, nos institutos de beleza, até nos bares, pois muitos marmanjos tidos como machões eram seus leitores viciados. Muita gente achava que M.Delly quisesse dizer Madame Delly.

Seleções Reader's Digest, a vedete das publicações

Outra revista muito popular na época, além das revistas de grande circulação, como “O Cruzeiro”, “Vida Doméstica”, era a coleção Mistério Magazine,  especialista em contos policiais e histórias de crimes famosos. No início aparecendo com o complicado título de “Reader’s Digest”, uma espécie de revista de assuntos gerais, começou a aparecer nas bancas e nas livrarias a partir de 1922; era a famosa revista mensal “Seleções” que inaugurava no mundo o sistema de franquia. Era difícil a casa que não tivesse na mesinha de centro da sala de visitas um exemplar desta simpática revistinha. Eu mesmo fui um de seus aficcionados leitores. Nela a gente colhia informações nacionais, internacionais, relatos de fatos curiosos, empolgantes, engraçados, resenhas biográficas de famosos e algumas seções fixas, como a que era a minha preferida, “Meu tipo inesquecível”, na qual se narrava e descrevia tipos humanos de caráter admirável, de hábitos notáveis, alguns sistemáticos, outros muito engraçados, outros comoventes.

Frequentemente me ocorre a idéia de escrever um tipo de crônica que estampe os “meus tipos inesquecíveis”. Nelas certamente não faltariam muitas figuras da minha velha Itápolis, como o barbeiro Zezé Celli, o advogado Dr. Marinho Rosa, o meu guru Dr. Mario Gentil, o popular Paiva Paivante, o excêntrico Pasiani, os espirituosos Irmãos Cardilli, o pitoresco chofer de praça, Lázaro Mendes, o sábio farmacêutico Julinho Sudário, o engraçadíssimo Newton Mazzaropi e inúmeros outros cidadãos inesquecíveis pela sua brilhante passagem por uma cidade rica em  bom humor, em sabedoria, em solidariedade e calor humano.