Orestes Nigro
 

Histórias que não foram escritas

 

Diário de Itápolis - Padarias

Na minha mais tenra Itápolis eram três as padarias que forneciam o pão nosso de cada manhã. No largo em frente à Matriz, digo largo porque naquela época era um terrenão  vazio, que mais tarde ganhou um banco circular tosco, sem encosto, não merecia chamar-se Praça e muito menos Cônego Borges. Pois é, neste largo, do lado da Padre Tarallo, logo depois da casa do Primo Vessoni, tínhamos a padaria dos irmãos Cardilli, o José, o Domingos, tratado que era de Mingo e o Caio, se não me engano. E pra completar a localização, logo abaixo vinha a agência dos Correios, que tinha anexa a casa do Sr. Francisco Robert, o Sêo Chico do Correio. Nesta padaria era comum encontrarmos alguns violeiros, como o Zé Fortuna e o Euclides, os irmãos Cogo. Os Cardilli eram muito animados e alegres e tinham uma freguesia que colaborava pra dar ao estabelecimento um aspecto mais de bar.

Já na Av. XV de Novembro, hoje Valentim Gentil, tínhamos a padaria do Samuel Garnier, padeiro muito discreto que quase não se via no salão da frente. Sua esposa e seus filhos é que cuidavam da parte comercial. Ali revezavam no auxílio à mãe ora a Lila, ora o Nelson, ora a Deyse, ora o Dega, apelido do Edgard. O mais velho, Teófilo, cujo nome de batismo era uma profecia, já estudava fora, cursando Teologia, para ser na vida um teófilo, digo um teólogo. A família era presbiteriana e o Teófilo se tornou presbítero. Na frente da padaria funcionava, na época, o Cartório de Registro Civil, comandado então pelo Sr. Paulo Rodrigues. Naquele tempo quando a filha do sitiante ou do fazendeiro se encaminhava para o casamento, se a família não queria dar festa para evitar a trabalheira e os gastos sempre grandes, combinavam a fuga da filha com o noivo; no dia seguinte os fuijões eram alcançados e precisavam se casar. As duas famílias se reuniam no Cartório, o casamento era feito e a comemoração era na padaria do Samuel Garnier. Este era o papel que destacava aquela padaria.

Bar e Confeitaria "Lusitânia", instalada em 1931, na Av. XV de Novembro, hoje Av. Pres. Valentim Gentil(2010-Padaria São Dimas)

Da esquerda para a direita: Sr. Manoel Pereira Borges(proprietário), Joaquim de Souza, Hipólito Zuliani, Jesus Bono e Lourenço Machado

Na mesma avenida, lá pra cima, chegando à Praça Pedro Alves de Oliveira, que eu achava que era o Cabral, tínhamos a Padaria Lusitânia, onde é hoje a Padaria São Dimas, bem ali mesmo. Fundada por Manuel Pereira Borges, sobrinho do Cônego Borges, a Lusitana se destacava por vender, além do pão, produtos importados, como maçãs, peras, frutas que aqui não se cultivavam ainda, champanhes, vinhos  e azeites portugueses, o que atraía uma freguesia mais refinada. Depois o Sr. Manuel Borges comprou o Boulevard Itápolis, fechou a padaria, que ficou um tempo desativada e mais tarde reabriu  “sob a nova direção” do Sr. Waldomiro Ribeiro dos Santos.

Padaria e Confeitaria Santarelli, na esquina da Barão do Rio Branco com Francisco Porto, hoje(2010) Lotérica Cidade das Pedras, de onde se vinha com pacotão de sequilhos, brevidades e outras delícias que só a Dª Maria sabia fazer

Mas a padaria que dominava o comércio de pães e derivados, doces e biscoitos da melhor qualidade era a Padaria Santarelli. A casa de pães e doces comandada pelo casal Vitório e Maria Cardamone Santarelli gozava da maior popularidade entre os itapolitanos dos anos 30 e 40. É certo que os pães eram deliciosos, as brevidades, os sequilhos, as bombas de creme e de chocolate, os biscoitos de polvilho, as tortas, os doces de abóbora, de batata doce, e tantas outras guloseimas eram preciosidades que saíam das mãos mágicas da dona Maria, mas não era só isto não. O encanto que tornava aquela casa a mais badalada em quase toda a cidade era motivado pela família do Sr. Vitório. A Eunice, a Eire, a Haydée, a Sílvia, todas estudantes cheias de vida e de alegria, viviam rodeadas por seus e suas colegas;  você entrava na padaria, aquelas mesinhas estavam ocupadas pela juventude estudantil de Itápolis, que ali comentavam as aulas, os acontecimentos do nosso ginásio, os namoros que estavam surgindo, os fatos políticos, sociais, religiosos. Enquanto o freguês comprava o pão no balcão, o papo rolava solto, as gargalhadas, os comentários, as piadas tudo era de tal animação que os fregueses não se constrangiam em entrar no converse. E ali também compareciam os jovens interessados em namorar as filhas do Sêo Vitório, que além de alegres eram bonitas.

01- Iraci José Marconi, 02- Danadiel Santarelli (Dedé), 03- Alcebíades Basso (Bêde), 04- Erasmo do Amaral Pousa (Teco), 05- Hélio de Melo Sene, 06- Romão Sendon Garcia (Tequinho), 07- Dr. Rubens Sudário Negrão, 08- D. Luísa, esposa do Dr. Rubens, 09- Profª Dalva Neri Caivano, 10- Elfrida Schubert, 11-Newton Alves de Oliveira (Tim-Tim), 12- Carlos Alberto Gentile (Carlito), 13- Liameme de Assis, 14- Maria Arlinda Duarte Cyrino, 15- Naíme de Assis, 16- Carmen de Assis, 17- Laurinha Garcia, 18- De branco, entre Carmen e Laurinha, está a Onélia Cauduro

Por cima do muro estava o vizinho, o alfaiate Sr. Anésio Garcia e família.

Obs. É interessante lembrar que os jogos eram realizados à noite e em dias comuns, do meio das semanas e, observar as roupas dos torcedores. Numa quadra aberta, de piso rústico de saibro, as pessoas iam de paletó e gravata e, até de chapéu. - O pessoal caprichava no figurino...

Eu me lembro de ver ali os irmãos Santana, o  Otacilio e o Nivaldo, mais tarde o primeiro acabou se casando com a Haydée, o ainda estudante Arthur Del Guércio, que de tanto comprar as bombas de chocolate da Dona Maria, acabou levando embora a Eunice, e assim foram acontecendo os casamentos e a família Santarelli crescendo. Nasceu o Chiquinho, depois o Dedé, o Turica e a Dona Maria ainda tinha uma surpresa, a Maria Angela. O Chiquinho, desde menino, se embrenhava em um monte de atividades, jogava basquete, disputava provas de atletismo, era coroinha, logo virou líder estudantil e todos sabem a importância que este legítimo filho da nossa terra passou a ter com o desenrolar dos anos. O Dedé não deixava por menos, era atleta, estava em todos os eventos, sempre simpático e sorridente; o Vitório, caçula dos homens que ganhou o carinho de ser chamado de Turica, era o mais ligado  à padaria. Desde garotinho de 4, 5 anos, já saía com o entregador de pães pelas manhãs, batendo palmas nas casas onde era recebido com a simpatia dos fregueses.

Meu pai, certa ocasião, abriu uma conta com o Seo Vitório, pra pagar por mês o nosso pão. E como era eu que ia comprar pão à tarde, fui avisado de que não precisava levar dinheiro, era só mandar marcar. Na minha cabeça ainda oca de moleque, eu entendi que nunca ia ser preciso pagar. E todo dia, quando ia para o grupo escolar, eu passava na padaria e pegava um pão doce, recheado com mortadela. No fim do mês você nem imagina a surra histórica que eu levei! Mas quem resistia ao cheirinho convidativo que saía daqueles fornos à lenha do fundo da casa dos Santarelli, nome eternamente ligado à história de nossa Itápolis.