Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"Outros tempos!"

Vendo as notícias de hoje, é forçoso lembrar aquela vida tão gostosa dos tempos vividos aí na terrinha. Se vejo a violência que aterroriza, que desafia os órgãos da lei, vem-me à lembrança a vida pacata que todos nós levávamos, passando anos sem notícia de nenhum crime, de nenhuma morte violenta; se a moça do tempo fala em tempo seco, da umidade do ar que está lá em baixo; se a imagem mostra lavouras queimadas pelos tórridos dia de sol, lembro-me das matas fechadas que circundavam nossa cidade, fazendo a gente ver, ao horizonte, o vapor que subia do arvoredo e favorecia a formação de nuvens e logo a chuva chegando pra suavizar o clima, regar as plantações, mantendo verdes as pastagens, as copas das árvores e os arbustos de nossos jardins. Quando ouço denúncias de políticos que  assaltam os cofres públicos, que vendem seus votos para favorecerem partidos, empresas, grupos financeiros e quando descobertos, renunciam ao mandato para poderem, em futuro próximo, candidatar-se a voltar e voltam pelos votos do povo, me dá muita saudade de minha mais tenra Itápolis, onde e quando os governantes tinham o maior respeito pelos seus cargos, apresentavam-se com seus nomes e sobrenomes de registro, compareciam às sessões de terno e gravata, reflexo da seriedade com que encaravam os compromissos que assumiram com seus eleitores, o mesmo acontecendo nos planos estadual e nacional. Tempo em que o eleitor tinha, antes de tudo, respeito pelo voto e respeito por si próprio.

A cidade evoluía devagar, naquele ritmo sonolento e o progresso nos chegava em conta-gotas, mas era um progresso honesto, transparente, sem lobbies, sem negociatas, sem superfaturamentos que enriqueciam indevidamente como acontece hoje, por estes brasis, com muitos daqueles que mereceram a confiança do povo. Itápolis daqueles tempos, assim como Ibitinga, Borborema, Novo Horizonte, Itajobi e tantos outros municípios da região, não tinha bairros diferenciados pelo poder econômico, o que suavizava muito as diferenças de classes. 

Tanto se sonhou com a igualdade e o que temos é a opulência, o exibicionismo da riqueza; tanto se sonhou com a fraternidade e o que vemos é o desprezo cada vez maior pelo semelhante, de uma sociedade que acha mais fácil criar ou adotar cãezinhos de raça e até vira-latas do que filhos ou crianças sem lar e sem família; tanto se batalhou pela liberdade e o que se valoriza hoje é a liberdade de ter uma atitude debochada diante do saber, da cultura, dos bons modos. Liberdade que é confundida por muitos e muitas com libertinagem, com o novo hábito, nojento costume da boca suja, com atitudes refletidas em palavras de baixo nível que se exibem no veículo mais em moda do século, a internet, via redes sociais.

Quem viveu um tempo de almas limpas e bocas respeitosas, de mentes livres de sujeiras verbais, não consegue aceitar calado tamanha deterioração dos costumes. Quem aprendeu a ver a mulher como criatura digna de amor e de veneração e vê hoje muitas delas agirem como feras que atacam suas presas, que “só pensam naquilo”, que abrem a boca para soltar palavras chulas, vulgares, avessas ao pudor, tem mais é que se assustar!

Parece que o ser humano procura jogar no lixo seus poderes maravilhosos que lhe foram doados pelas generosas mãos de Deus, como a inteligência, o saber, a ponderação, a pureza d’alma; dá a impressão  que as grandes descobertas das ciências são abocanhadas para a prática do mal, para o errado, para o aviltamento de seu próprio usuário. Descobriu-se a pólvora e correram inventar a arma de fogo, esse covarde instrumento de matança; inventaram o avião e logo apareceram os caças, os bombardeios vindo do ceu, os temíveis destruidores em massa, da vida humana.

Agora inventaram tantas coisas novas, inesperadas até, aparelhos e dispositivos que deveriam revolucionar a sociedade humana, levando-a a ampliar o conhecimento, a estreitar as relações humanas, a incentivar a solidariedade entre os povos, enfim, a melhorar o homem, esta criatura imaginada por Deus! Mas, o grande Criador inventou de  inventar o tal de livre arbítrio e o que se deu?  Como o estouro da boiada o homem saiu aos bandos a cometer injuriosos atos, com enorme predominância do instinto e enorme desprezo à razão. E o computador, o celular, estas riquezas criadas pela inteligência que é obra divina, servem para ordenar a morte, para armar a emboscada, para espalhar tudo que é produzido pelo lado estúpido do homem! Hoje se fala muito na decantada “banda larga”, que amplia o dinamismo e o desempenho da comunicação. Mas o que mais cresce é a “banda podre” que está assolando e apequenando ao minúsculo, o ser humano! Por estas e outras é que vivo hoje embalado pela saudade!

É claro que não são todos a cometer desatinos, é evidente que tem muita gente boa neste mundo de Deus, que tem muito político bem intencionado, muito cidadão que prima pela retidão e honradez. Se não fosse por esses, o mundo já teria naufragado num imenso mar de lama. Mas o que impressiona e amedronta é o espantoso crescimento dessa verdadeira horda de insensatos. É o crescente descaso pelo enriquecimento da alma humana, que se reflete no desrespeito que assusta, porque se generaliza. Eu sei que muitos dirão: isto é “conversa de velho”, mas corrijam isto para “conversa de gente de outros tempos”, fica melhor assim.