Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"A natureza ainda virgem de nossa antiga cidade"

            Você sabia que na Itápolis dos anos 30 os pardais ainda não tinham aparecido por estas redondezas. Havia notícias de que já tinham chegado na capital do país, o Rio de Janeiro. Houve até a história de um jovem da terrinha que tinha ido à formatura de um parente na antiga capital federal, passou lá uns quatro, cinco dias e já voltou falando: “lá no Rio tem muitos parrdais”. Este bichinho sem graça, sem colorido, sem trinado, infestou a nossa terra anos mais tarde, expulsando os tico-ticos, os pintassilgos, os tizius, os sabiapocas, os cardeais, os canários belgas e os da terra, privando-nos do prazer de ouvir-lhes os trinados, de apreciar suas plumagens coloridas, antes tão comuns em nossos jardins, em nossos quintais. Os pardais, introduzidos no nosso país pelo prefeito do Rio de Janeiro, Pereira Passos, em 1908, foi trazido para cá para ser utilizado nas plantações, pois se alimentam de vermes e de insetos. Muito úteis para os agricultores, mas uma praga para a paisagem bucólica.

Laranja e suas variedades, trouxe ram o título de Capital da Laranja ao nosso município

 Outra coisa que ainda não conhecíamos era a laranja pera. Tínhamos uma infinidade de espécies de frutas cítricas, como a laranja comum, de formato esférico, bastante suculenta e cheia de sementes; tínhamos a laranja lisa, fruta graúda, de casca lisinha, a laranja seleta, muito cobiçada pelo seu excelente sabor, a lima-de-bico, uma fruta parecida com o conhecido limão siciliano, apenas um pouco mais gorducha e muito saborosa, tinha um acentuado toque silvestre. Tínhamos as laranjas de fazer doce, uma delas bem cascuda, atingia o tamanho de uma laranja baiana; a outra era bem maior, parecia um melão, sua casca verde claro protegia seus gomos vermelhos, bonitos de se olhar,  mas azedos como que!  Nossos pomares eram ricos em limas, laranjas-cravos,  limões galegos, limões cravos, cidras, laranja lima. A laranja pera só surgiu em nossos pomares nos primeiros anos da década de quarenta. O primeiro a plantar e colher a novidade foi o Balthazar, que recebeu uma muda trazida do Rio de Janeiro por um parente do Dr. Paulo Brasil. Ninguém imaginava que aquela laranjinha miúda, como eram seus primeiros exemplares, fosse se tornar o “pardal” das suas irmãs cítricas, invadindo os pomares, as plantações das fazendas, de onde expulsaram as pequenas aves, transformando-se num de nossos produtos campeões da exportação.

            O tempo foi cuidando de eliminar a grande variedade de frutas, de pássaros, de caças. Ao caçador se oferecia toda uma fauna de presas: o nhambu, a perdiz, a paca, o coelho do mato, o tatu galinha, o tatu bola, a capivara. Ao pescador, uma infinidade de peixes de todos os tamanhos, desde os piaus, os lambaris, os cascudos, os bagres, os mandis até as piracanjubas,   os curimbatás, os dourados, os pintados, os jaús. A pesca era exercida com diversos recursos, como a vara, a tarrafa, a rede, o pontão, o arpão. De todos estes recursos um único tinha o status de arma nobre: a vara! Pescar de vara ou pescar com vara era título de bom pescador, era prova de perícia e, antes de tudo, de respeito à natureza. O pescador de vara considerava os que usavam tarrafa, rede, explosivos, como gananciosos, cruéis, no mínimo egoístas. Pescar de vara exigia habilidade, agilidade, coragem, por vezes até heroísmo. Era saber preparar sua tralha, com diversos tipos de linhas, com as chumbadas, com o tipo e tamanho do anzol conforme o peixe.

Já não vemos mais a saracura em nossos quintais

           O tempo também levou nossas florestas, hoje em dia até mesmo os capões de mato. Os rios perderam sua piscosidade. Os quintais deram lugar à construção de anexos ou foram dividido em lotes menores, os jardins deram lugar às garagens e abrigos para os carros.

Nhambu, cada vez mais difícil de se encontrar

Tudo isto ajudou a expulsar os bichinhos tão comuns de antigamente. Não há mais espaço para a saracura, tão comuns nos nossos quintais; era comum encontrar um cágado escondido; aos caçadores bastava percorrer uma légua e lá estavam os nhambus, as perdizes, as pacas. Para o pescador havia peixes até no rio da Carlota.

            Naquela época o caçador e o pescador tinham fama de mentirosos, tudo por causa do entusiasmo de que eram tomados quando tinham sucesso numa caçada, numa pescaria. O pássaro raro, vindo lá das bandas do Mato Grosso, sempre escapava, depois de atingido. Aquele peixe que vergou a vara e quase matou o pescador, tamanho seu peso e sua força, sempre conseguia se soltar e sumir na correnteza.

            Algumas histórias correram o mundo, como aquela do caçador que tinha comprado uma espingarda de carregar pelo cano. Voltou da caça, o amigo perguntou: “Como é compadre? A espingardinha é boa mesmo?” E o matuto respondeu: “Nossa se é, compadre! Eu ia andando no mato quando vi uma árvore enorme carregada de pomba-rola. Carreguei a bichinha com todo chumbo que tinha, mirei na árvore e atirei!  Matei 299 pombas!” – O compadre, debochando: “Por que você não fala trezentas duma vez?”  E o caçador: “Cê acha que por causa de uma só, eu vou mentir?”