Orestes Nigro
 

Histórias que não foram escritas

 

Diário de Itápolis - A Mulher Itapolitana II

Voltemos à mais tenra Itápolis. Retomemos o tema da mulher itapolitana da era anterior aos anos 60. Mulher dedicada ao lar, por convicção ou por obrigação; mulher tratada como doméstica ou como adorno do lar, assim viviam nossas avós, bisavós e as que hoje são idosas. Será que eram felizes, será que não? Difícil sabermos. Que nem todas aceitavam aquilo, alguns fatos atestam.
         O movimento modernista que, no Brasil, eclodiu em 1922, semeou a insubordinação das mulheres e o feminismo começou a lançar raízes. A moda Charleston, com mulheres encurtando as vestes, usando colares enormes que lhes atravessavam o corpo, incorporando a piteira e os adereços chamativos, não era apenas um modismo musical ou fashion, mas antes de tudo um grito de liberdade da mulher dos anos 25, 26, 27... tendência que encontrou seu auge no início de 1929, só se dissipando com os efeitos da crise financeira que culminou com o “crac” da Bolsa de Nova York naquele mesmo ano.
         Menino, ainda vi alguns exemplos vivos das chamadas “melindrosas”, enfeitando o Clube Recreativo  e Literário de Itápolis quando o jazz-band do Raphael Mercaldi atacava um número do delicioso Charleston, ritmo alegre que ilustrou tantos filmes mudos, pelas partituras dos músicos de sala de cinema. Izabel Vessoni foi uma delas. Regina Trevizan Franco, filha do Dr. Vasco, era outra, Olguinha, uma professora que chegou de fora e fez furor na vida noturna da época, era mais uma “melindrosa”. Izabel Vessoni era motorista de automóvel, a primeira da nossa cidade, Regina Franco gostava de dançar sozinha quando o Charleston estourava no salão, Olguinha, como as demais, fumava em público. Eram as contestadoras do machismo vigente. Outras mulheres, sem os arroubos das vanguardistas melindrosas, se atreviam a desafiar o império dos homens . Guilhermina Mallet Cyrino, a Dona Nhanhã era destacada “independente”, avessa ao cabresto masculino, atuou em vários  campos da vida social e cultural, cultivou música, escreveu poemas, foi morar sozinha, fugiu do casamento e ousava discutir economia, política local ou nacional, opinava sobre acontecimentos internacionais. Tudo isto sem perder a feminilidade nem a religiosidade. Não foi “melindrosa”, nem dançou o Charleston, mas, no meu ver, era a versão feminina do nosso eterno guru Julinho Sudário, irreverente, sarrista e tinha melhor senso de humor, era alegre. Aprendi muito com a Nhanhã!
         Num grau mais recatado outras mulheres saiam do imobilismo que vitimava a maioria, procurando impor seu ponto de vista, seu gosto musical, sua maneira de se vestir e pontificavam no seio de suas famílias. Dona Adelina Lalaina Semeghini, Dona Lola Marins Celli, Dona Sebastiana Porto, Dona Eponina Massari, Dona Iole Cauduro, Dona Filomena Armentano, Professora Maria Augusta Pousa Sene e Dona Isabel Sene Nigro, minha mãe, pra citar algumas das mais antigas, eram do time daquelas que Molière chamou de “Lês Femmes Savantes”, “as sabichona”, mulheres que viviam com as antenas ligadas, que se informavam o tempo todo, que tinham opinião pelas quais chegavam a brigar.
         Eu tinha em casa um dos mais vivos exemplos desta categoria de mulheres. Minha mãe era versada em história, em arte literária, tinha prática de verdadeira enfermeira, cursou, quando em São Paulo, nos fins dos anos 20. até o 3º ano da Escola de Ciências Médicas,  era boa conselheira, informada sobre os acontecimentos políticos do país e acompanhava a evolução administrativa dos governos. Era ela que avisava as parentas professoras, dos decretos e demais medidas anunciadas pelas autoridades educacionais. Aqueles olhinhos miúdos, que herdei, eram dois radares a detectar evolução, revoluções, mudanças.   Meu pai, homem voltado ao trabalho braçal e artesanal, não conseguia acompanhar aquela mente esperta que lhe dava suporte nos negócios, nas leis trabalhistas, no traquejo social. Eu nasci e vivi pobre, mas sempre me senti feliz da vida por ser filho dela. Aprendi com ela, minha amantíssima mãezinha, a busca da humildade, do amor e do respeito ao próximo, da paciência e alegria de viver. O principal princípio que ela passava aos enteados e aos filhos era “deixe-se passar por bobo, mas nunca seja mau”., princípio que sempre  norteou meus passos nesta vida.
         Estas mulheres que eu citei marcavam presença na vida da cidade, na evolução dos fatos, modelos que eram de coragem e crença em si mesmas! A elas e às que não mencionei ainda, minha homenagem.