Orestes Nigro
 

Histórias que não foram escritas

 

Diário de Itápolis - A Mulher Itapolitana

 

A mulher itapolitana da primeira metade do século 20 tinha suas peculiaridades. Ser dona de casa era regra quase que absoluta para elas, excetuando-se poucas que saíam de suas casas para trabalhar. A maioria das que faziam isto atuava em escolas e outras repartições públicas. Professoras, funcionárias administrativas, inspetoras de alunos , serventes, escriturarias. Algumas trabalhavam como caixas em casas de comércio, tínhamos as telefonistas da CTB, Companhia Telefônica Brasileira, que funcionava num prédio situado no lado Florêncio Terra da Praça Pedro Alves de Oliveira. O cinema tinha uma bilheteira que se chamava Dona Alzira Rocha, a CTB tinha duas moças da família Coletti e outra da família Januzzi, a Rosa Gardelin era a caixa da Casa Santa Cruz, do Nutcho Tarallo, minha prima Abgail Sene era a caixa das Casas Pernambucanas, que naquele tempo funcionava no prédio da esquina da XV de Novembro (Valentim Gentil) com a Rua Rio Branco, onde é hoje a loja do Fouad, “Ao Preço Fixo”.  Alguma outra moça aparecia atrás dos balcões dos estabelecimentos comerciais, ajudando seu pai ou seu marido, que era o proprietário. Fora isto, raras oportunidades de se encontrarem mulheres trabalhando fora de suas casas.

O normal era que as mulheres, esposas e filhas, dedicavam-se às tarefas , às prendas domésticas, atendo-se à cozinha, à limpeza, à lavagem das roupas, que era feita na mão, usando-se sabão em barras, na maioria das casas feitos ali mesmo, com sobras de gordura animal, como banha de porco, diluída em soda cáustica, ou o sabão de cinza que tomava a forma de bolas mais ou menos do tamanho de uma bócia e eram guardados em embalagem de palha de milho. Usava-se muito o anil, vendido em tabletes, que dava um ar de limpeza principalmente às roupas brancas, que ficavam ligeiramente azuladas. Depois de lavadas e torcidas, as roupas eram estendidas ao sol, para “quarar”, seja sobre um gramado conservado sempre limpo, ou sobre uma tabuleiro de madeira ou de tela de arame, o chamado “quarador” que os professores de português insistiam em corrigir para “corador”, onde se “cora” a roupa, e o pessoal insistia em dizer “vou estender a roupa no quarador pra quarar”! Para passar aquelas pilhas de lençóis, panos de prato, fronhas, toalhas, calças, camisas, vestidos e tudo o mais, usavam-se os enormes e pesados ferros de brasa. Alguns com tampa superior removível, os mais moderninhos, mas a maioria era inteiriço, com um orifício em forma de boca de forno, na parte traseira, por onde se introduzia o carvão e as brasas. E a gente via a mãe da gente ou a irmã balançando aquele trambolho pesado pra manter acesa a brasa que o aquecia. Não era fácil. Os mais moderninhos exibiam orifícios laterais por onde entrava o vento que ia soprar as brasas. Já era um grande progresso!

O pão de padaria tinha pouco consumo entre os moradores da cidade, no campo então, não tinha vez. Fazer o pão nosso de cada dia, a rosca do café da manhã, a broa de milho ou de fubá, os biscoitos de polvilho, de araruta, de amoníaco, isto cabia às mulheres. Nos aniversários e batizados elas cuidavam dos quitutes, dos docinhos caprichados, do bolo enfeitado, nada era feito fora de casa.

Os nenéns nasciam em casa, não havia maternidade. A Dona Inês era a parteira oficial, quando não ela, era alguma mulher da própria família da parturiente. Era um corre-corre na casa, gente correndo pra esquentar água, eram lençóis e toalhas que eram levados às pressas para o quarto onde uma nova vida estava surgindo. Logo mais se ouvia o choro que anunciava a novidade.
As mulheres não votavam, muitas eram conservadas analfabetas pelos pais. Escola é coisa pra menino, Faculdade então, nem se fala! A mulher não tinha cidadania, era dependente natural, sem protestos, pelo menos que se ouvissem.

Quando uma mulher daquele tempo se sobressaía, pode, estar certos, ela era antes de tudo uma valente guerreira, pois antes de enfrentar as tarefas e os feitos com que sonhava, tinha que enfrentar uma sociedade que foi educada e preparada para assim conceber a mulher. Não se tratava de preconceito, nem de machismo, era o fruto de uma concepção secular, que soava natural. Algumas pouquíssimas mulheres já despontavam como contestadoras, já se arriscavam a atuar em campos que eram exclusividade dos homens. Nossa Itápolis já tinha as suas “atrevidas”, as suas “avançadinhas”. Vamos a elas, aguardem!