Orestes Nigro
 

Histórias que não foram escritas

 

Diário de Itápolis - Família Monzillo

Na minha mais tenra Itápolis era gostoso o convívio com os vizinhos; suas casas, seus quintais eram como se fossem os nossos quintais, as nossas casas. Partindo de novo da casa em que nasci e me criei, depois de falar dos Armentano, meus vizinhos da esquina, atravesso a rua e encontro a casa que era o lar da família Monzillo, outra família numerosa, mais homens do que mulheres, senão vejamos: o chefe da família era o Sr. Salvador Monzillo, comerciante, dono de um grande armazém  que ocupava quase meia quadra da Francisco Porto, entre a Rua 13 de maio (Antonio Ricieri Vessoni, atual) e a José Bonifácio (hoje José Trevisan).

Naquela época, anos 30/40, os armazéns de Itápolis ganhavam importância à medida em que englobavam vendas no varejo e no atacado. Quase todo santo dia  viam-se enormes caminhões (enormes para a época, é bom lembrar), estacionados na frente da última porta de ferro da Casa Monzillo para descarregar e carregar grandes quantidades de sacos de açúcar, de farinha de trigo, de arroz, de feijão, caixas de óleo de algodão ou de amendoim, sacos de cerveja e de refrigerantes. É verdade, naquela época as bebidas vinham em garrafas protegidas por envólucros de palha e acondicionadas em sacos de estopa. Quase não se via ainda a cerveja clara, as mais comuns eram a Malzbier e algumas tipo chope escuro como a Munchen. A  maioria dos cervejeiros da época as tomavam na temperatura ambiente, pois poucos tinham geladeira. Os refrigerantes da época eram o Guaraná e a Gasosa (soda limonada) e eram parte vindos de fora, como da Brahma e da Antarctica, e boa parte fabricadas pelo Martinelli, aí na terrinha mesmo. E na Casa Monzillo você podia encontrar tudo isto.

O Sr. Salvador Monzilo era casado com Dona Branca. Tinham cinco filhos homens e duas filhas mulheres. Os homens eram o Costábile, conhecido como Constantino, depois vinha o Líbero, depois o Paulo, conhecido como Lilito, o Genaro e o Antônio, conhecido como Tota. As duas filhas eram a Fortunata, que todos chamávamos de Nata, dona Nata e a Elvira, que conhecíamos como Nenella. A casa da família Monzillo era ao lado do armazém, na esquina da Francisco Porto com a 13 de maio. Os prédios da casa e do armazém existem até hoje; a casa foi transformada há pouco tempo numa loja de automóveis e o armazém abriga agora um simpático varejão, onde você encontra uma enorme variedade de horti-fruti-granjeiros.

A varanda dos Monzillo era onde mais se viam a dona Branca e a Nenella nos fins do dia; e nas janelas as belíssimas filhas da dona Nata, a Glorinha e a Haydée, que a gente chamava de Aide. Depois da janta, por volta das 7 horas da noite era comum ouvirmos os ensaios de clarineta e de violino do Tota, executados no seu quarto, do lado da 13 de maio. Neste mesmo horário era infalível a imagem de dona Branca, nos seus passos leves como ela, saindo da varanda, indo até a esquina, subindo a 13 de maio e entrando pelo portão dos fundos pra sua visita à filha Fortunata, a dona Nata, que morava numa parte apartada da casa, com seus filhos Glorinha, Haydée e Salvador, o Vadinho, meu maior amigo de toda a infância.

Eu era ainda menino quando o Sr. Monzillo faleceu. Teve um enterro muito concorrido, me lembro da pompa solene daquele carro fúnebre de madeira toda entalhada, coberto por uma pala à moda romana, com franjas douradas, Foi um dos acontecimentos que me marcaram na infância. Dona Branca ficou viúva e guardou luto até o fim de seus dias. Naquele tempo o luto pela morte de um parente era tanto mais fechado quanto mais próximo era o falecido. E durava  de seis meses a um ano conforme a cultura de cada família.

Os filhos de dona Branca eram quase todos casados, só a Nenella e o Tota permaneceram solteiros, morando com a mãe. O mais velho, Sr, Constatino, casou-se com dona Olderise Vessoni, grande amiga de meus pais e minha grande benemérita nos tempos de estudante. Como meu pai era contra que os filhos estudassem além do grupo escolar, eu tive que estudar escondido até a metade da 3ª série ginasial, quando o Professor Aureliano sem querer revelou meu segredo pra ele. Mas, enquanto ele não sabia, era dona Olderise que reformava os uniformes do Nejão e do Nicalo pra eu vestir, porque o Seu Vicente não dava a “verba” pra comprar. Eu passava pela casa dela, na esquina da José Bonifácio (José Trevisan), me trocava e  ia pra escola. O Nicalo e o Nejão tiravam o sarro, brincando que iam contar pro meu pai. O Sr. Cosntantino era um homem muito educado, de fala mansa, gostava muito de ler e era o maior pai coruja que já conheci. Cuidava dos meninos, uns marmanjões, como dizia a mãe deles, com o desvelo de mãe. Aquele menino que o Nejão apelidou de Licalo, forma simplificada de Luis Carlos, está aí hoje completando seus 80 anos de vida, de uma vida bonita, tanto a dele como a do Neja, como dizia Dona Olderise. Meninos sadios, espertos, eu gostava de vê-los chegando na casa do avô Vessoni, sempre falantes e alegres. Tiveram uma mocidade cheia de vida, galãs das meninas mais bonitas da cidade, atletas, jogadores de vôlei e de basquete, os netos da dona Branca sempre brilharam. E estão aí ambos vivos e saudáveis, pessoas queridas, amigos que não esqueço. PARABENS NICALO,  queria estar aí pra um abraço fraterno.

Depois do Sr. Constantino, vinha a dona Nata, separada do marido, que era Martinelli, viveu segregada em seu canto, onde as moças iam ler a sorte. Dona Nata era a mãe carinhosa do meu maior amiguinho de infância, o Vadinho. Em seguida vinha o Líbero, casado com dona Floriza; moravam em frente à casa dos Brunelli e tinham um único filho, o Adail, com quem muitas vezes fui brincar na calçada em frente a casa deles. Depois do Líbero vinha o Lilito (Paulo), lembro-me dele no armazém, homem bonito, mostrando sempre um sorriso pra quem chegasse. Era casado, não teve filhos, penso eu, e morava numa casa atrás da igreja “Congregação Cristã no Brasil”, na rua 13 de maio, agora Ricieri A. Vessoni. Depois dele vinha a Nenella, moça bonita e muito recatada, eterna companheira de dona Branca, e vinham os mais novos, o Tota e o Genaro, este assim como  o Lilito, “viajaram”antes do combinado.

Famílias como a dos Monzillo, numerosas, unidas em torno dos velhos pais, eram a marca da velha Itápolis, esta terra de tanta gente boa e decente que nos traz tanta saudade.