Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"É menino homem? Ou é menina mulher?"

Carteira de Saúde de Ignês Mursi expedida pelo Centro de Saúde de Itápolis em 5 de setembro de 1950

Eu tenho falado tanto da “minha mais tenra Itápolis” e até hoje não falei nada sobre a “minha mais tenra idade”. Vou falar um pouco do dia 31 de julho de 1932, mas é pra fazer uma homenagem a uma das pessoas que mais participaram da vida das famílias, principalmente das mães da nossa cidade de há muitos anos. Dia 31 de julho daquele ano de Revolução Constitucionalista, conhecida como Revolução de 32, uma senhorinha pequenina no tamanho, muito asseada e cheirosinha, foi chamada às pressas na casa de nº 36, da Avenida Francisco Porto, porque uma mulher, casada em outubro de 1931 com um viúvo (2 vezes), ia dar à luz o seu primeiro filho e o quarto filho de seu marido. Havia muitas mulheres naquela casa antiga, certamente, como costumava acontecer nestas horas. Era aquele alvoroço de parentes e vizinhas,  à espera da parteira mais requisitada da cidade, a querida dona Inês. 

 
Balança usada por Dª Ignês para pesar os recém-nascidos

Dona Ignês era uma senhora de traços bem típico das imigrantes europeias: pele rosada, tipo sanguíneo que dá esta coloração da pele, sempre vestida com cores discretas, com tendência a estampas amiudadas e claras. Foi esta criatura cativante que me trouxe ao mundo, como trouxe milhares de itapolitanos, com toda certeza. Minha mãe teve tantos filhos que acabou que a Dona Inês virou personagem familiar de nossa casa, daí eu tê-la conhecido e tê-la querido tanto bem. Ela se tornou figura muito conhecida na cidade, gozava da simpatia de todos, o que se percebia pela forma cortês e respeitosa com que as pessoas a reverenciavam.

Dona Ignês nunca foi alvo de comentários comprometedores, comuns às pessoas que exerciam a profissão dela. Ela sempre teve um desempenho profissional marcado pela lisura, norteado por seus princípios cristãos, por isto ela era respeitada e indicada para o seu trabalho até mesmo pelas Irmãs de Caridade que faziam os partos no Hospital de Misericórdia.  Dona Inês era recomendada pela Irmã Gina, pela Irmã Boaventura, pela Irmã Villa Rica e também pelos médicos de sua época, devido à sua postura ética e altamente profissional.

 

Foi muito gratificante para mim, deparar com uma placa de rua que exibia seu nome, “Inês Mursi”, se não  me engano; foi há muito tempo que vi a referida placa. Nas nossas cidades existem inúmeras placas de ruas, praças, até de rodovias ostentando nomes de pessoas que pouco de si mesmas dedicaram à aquela cidade, a aquele povo. Por isto quando a homenagem é dedicada a uma pessoa que contribuiu com o bem estar, com a alegria, com a construção de tantas famílias, a gente para, olha e, se não diz, pensa: esta aí merece!

Naquela antiga Itápolis, em que as crianças nasciam em casa e só em casos complicados iam ser postas no mundo em hospitais e maternidades, era tão costumeiro este tipo de ocorrência  doméstica que ninguém reclamava da falta de leitos, da falta de médicos obstetras, de enfermeiras parteiras. A presença da parteira  era fator de segurança, quando ela adentrava aquela casa onde uma parturiente havia entrado em trabalho de parto, todo aquele alvoroço se amenizava, o corre-corre das voluntárias de plantão cessava e todos entravam em compasso de espera. E  quando se ouvia o choro estridente do recém nascido, uma explosão de alegria tomava conta do ambiente. A grande pergunta: é homem ou mulher? Isto só se podia saber no nascimento. Lá em casa, quando nascia um bebê, a Nona, como toda imigrante italiana, logo perguntava: É menino homem ou é menina mulher? E, na maioria das vezes, quem trazia a resposta, na porta do quarto, era a nossa querida Dona Ignês.