Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Escolinha da Dª Mazé

 
Dª Mazé com uma turma de formandos

Minha mais tenra Itápolis era tudo o que falei aqui, comércio ativo, povo alegre, quase uma só família. Mas o ponto alto da cidade era o seu alto conceito em matéria de Educação. Sem nenhuma sofisticação da que se vê hoje  nas escolas particulares onde a classe média coloca seus filhos com tanto orgulho, sem nenhuma faculdade, como se tem hoje se espalhando como capim, Itápolis tinha um sistema educacional eficaz, altamente produtivo e visto como modelo em todo o interior paulista!

Que diferença, gente! Como a escola pública era excelente e disputada! Que mestres maravilhosos, donos de um saber que nos encantava!

A criança itapolitana, desde a primeira infância, recebia um ensino básico sólido, rico em informação e modelar em formação da cidadania e do caráter!

A Escolinha da Dona Mazé (Profª Maria José dos Santos), situada na esquina do Largo da Matriz, que ninguém sabia que se chamava Praça Cônego Borges, ali onde cruzam as ruas Rio Branco e Avenida dos Amaros. Ali se aprendia a base, o alicerce sobre o qual ia se erigir o nosso saber. Escolinha era a maneira carinhosa com que as pessoas tratavam aquela fonte de saber nascente. Dona Mazé era nossa mestra e nossa deusa encantada! Tudo se fazia ali com instrumentos rudimentares. Não tínhamos cadernos, usávamos lousa de mão: uma pedra preta, emoldurada por quatro tiras de madeira; não conhecíamos ainda o lápis, a caneta, usávamos um bastão de pedra cor de ardósia, cuja ponta comprimíamos contra a pedra negra produzindo riscos brancos. E desenhávamos o a e i o u, início mágico de um mundo fantástico que nos esperava! Nossas pequenas mãos eram guiadas pelas mãos doces daquela fada perfumada de alfazema. Eram momentos de ternura e descoberta! Que criatura fantástica, a Dona Mazé. Tínhamos paixão por ela. E ela por nós! Ao chegarmos para a aula, formávamos a fila para receber seu beijo de boas vindas! Ao soar do sino que ela badalava ao fim da aula, não saíamos correndo feito estouro de boiada, formávamos fila para recebermos seu beijo de até amanhã.

No recreio, sentados em bancos toscos, comíamos o nosso lanche, esperando o momento de rodearmos a Dona Mazé para ouvirmos as historinhas que ela contava, todas relacionadas com as belezas de nosso Brasil. No recreio também aprendíamos. E cantávamos com ela as cantigas de roda as mais lindas que já ouvi.

Eram dois anos de Escolinha. No 2º ano íamos conhecer a escrita no papel, a professora nos apresentava o caderno, a caneta-tinteiro, cuja pena era removível e precisava ser molhada dentro do tinteiro, um vidrinho quadradinho, onde se depositava a tinta que ia alimentar nossas penas, e um personagem fantástico, o mata-borrão.  E chegávamos ao fim do curso sentindo um misto de alegria, pela festinha que íamos ter e de tristeza por deixarmos aquela fada maravilhosa, nosso primeiro embate com a paixão!

A Escolinha da Dona Mazé tinha muitos alunos, era freqüentada por crianças de todas as gamas sociais. A mensalidade? 5 mil reis, uma pechincha! Lembro-me de muitos dos coleguinhas que tive ali. Cito aqueles e aquelas que me vêm à memória. As irmãs Nilda e Wilma Trevizan, as irmãs Emília e Railda Bedê, o Luizinho Biela, o Jorginho Burihan, a Nenê Porto, a Wônia Camargo, irmã de uma celebridade itapolitana da época, o Wôlney Camargo, locutor das Radios Tupi e Tamoyo do Rio de Janeiro, as irmãs Wônia e Wolmar Gardelin, minha saudosa prima Terezinha que eu levava pelas mãos todos os dias; saía de casa, passava pela casa da Nona, recebia o lanche que ela preparava (pão feito em casa embebido em água, azeite de oliva, uma camada de alho amassado e sal – um sucesso no recreio!), pegava a mão da priminha  e lá íamos nós subindo a Florêncio Terra, sozinhos, dois toquinhos de gente!