Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Diário de Itápolis - O Tempo e o Materialismo

Tempos de ontem, tempos de hoje, gente dos tempos idos, gente dos tempos atuais, como a vida mudou! Vamos esquecer o mundo material, onde as mudanças têm sido incríveis e vamos nos ater aos seres humanos, à sociedade dos homens, à família. Se do lado material tivemos uma melhora sensacional, que nos oferece enormes progressos na comunicação, no lazer, nas oficinas, nas fábricas, na cozinha, no banho, no transporte, nos recursos áudio-visuais, na medicina, na engenharia, gerando conforto, melhor nível de vida, ampliação da média de longevidade, por outro lado... quando se trata do homem, do ser humano, dos ajuntamentos humanos, parece que escolhemos o caminho inverso da ciência, da tecnologia, do progresso material

A gente que viveu aquele mundo, aqueles anos da primeira metade do século XX, e somos tão poucos,  estamos vivenciando essas mudanças. A vida longa que estou arrastando pelos anos me deu a oportunidade de conhecer e usufruir deste progresso material, desta revolução tecnológica, desta evolução científica que me trouxe vida agradável, conforto que nunca tinha experimentado antes, recursos para garantir boa saúde e quem sabe, por isto, prolongar a existência.

A gente não tinha estes benefícios da ciência e da tecnologia, é verdade.  O que a gente tinha era família estável, lar fundado em solidez, pessoas que tinham o lado indivíduo e o lado coletivo. Naquela Itápolis dos anos 20, 30, 40, os valores eram duradouros e passavam de pais pra filhos; criança era criança, jovem era jovem, adulto era adulto, idoso era idoso. Cada uma destas categorias humanas vivia o seu momento, o seu estágio, fruto de uma sociedade ainda organizada, que era composta de famílias estruturadas, cônscias de seu papel na arquitetura da sociedade humana.

Naquela época o crime assustava, criava traumas até em quem não era do círculo da vítima, o crime causava indignação. Naqueles anos, a compostura, o pudor, o respeito aos mais velhos, e o respeito a sim mesmos eram valores enraizados nas pessoas, fossem elas homens, mulheres, meninas, o que fossem.

Você poderá pensar: mas que homem mais arcaico! saudosista! retrógrado! Parece mesmo, mas não é não! Acho maravilhoso tudo que o homem conquistou nestes 50 anos de conquistas materiais! Apesar da idade, curti e continuo curtindo os frutos deste progresso, mas não deixo de ter consciência de que só houve progresso material. Porque  melhoria do ser humano, nenhuma! Nunca o homem foi tão violento, movido por futilidades! Nunca a vida teve tão pouco valor! Nunca os pais agiram com tamanho descuido de seus filhos! No conjunto, o comportamento do ser humano só nos causa indignação, revolta, tristeza, muita tristeza!

Nos anos 30, 40 e 50 havia um receio do avanço socialista porque consideravam que com ele avançava também o materialismo. Os socialistas, assim como os comunistas, os movimentos de esquerda foram neutralizados, passaram a ser hoje algo que cheira a mofo, de tão fora de moda. Mas acho que os próprios “materialistas” daquela época nunca sonharam com o materialismo incrível que domina nossos tempos. No começo dos anos 90, li um ensaio filosófico em que o autor profetizava: “Os anos 80 viram o nascimento da era do egoísmo, que vai, no futuro, conhecer seu auge!”

Eu estou achando que estamos  nele. Só o egoísmo pode explicar que alguém jogue uma criança pela janela, engendre a morte de seus próprios pais, avós, irmãos. Só o egoísmo pode fazer um pai e uma mãe deixar uma filha de 15 anos ir morar com um sujeito que mal conhecem. Só uma coletividade que só pensa em levar vantagem em tudo pode reeleger um corrupto escancarado. Só o egoísmo exacerbado consegue matar o amor ao próximo, o amor e o respeito  à vida, o desejo de ser digno!