Orestes Nigro
 

Histórias que não foram escritas

 

Diário de Itápolis - Lembranças!

Estou voltando a escrever, como quem volta de um sono letárgico; apaguei o lume que me guia nos meandros da memória, fiquei sem lembranças, sem as imagens que me vêm à mente sempre que acordo pela manhã e faço um passeio pela minha vida. Atravessei assim um território deserto, cegaram-me as trevas a que condenei meus olhos, ensurdeceram as melodias que embalaram minha infância e minhas serestas. Tive assim a sensação prévia da minha morte, da minha abdicação à vida.

Como me fizeram falta tantas lembranças, tantos rostos, tantas melodias! Vi que  não existe vida sem o passado a nos prover a mente com as reminiscências que geram nossa saudade. E compreendi que a maior riqueza da quinta idade (eu reparto as fases da vida a cada vinte anos vividos), da idade da velhice que se assume, a maior riqueza é a saudade.

Itápolis, a minha mais tenra Itápolis, é o meu grande provedor. A lembrança dos tempos aqui vividos opera em mim como que uma nascente inesgotável que me devolve o ânimo, a vontade de viver mais um pouco, de arrastar esta  longa vida mais pra frente, numa faina de reconstrução daquilo que se perdeu no tempo.

Cada vez que aqui volto, cada giro que dou nesta cidade, me faz trocar as pessoas que nela transitam, as criaturas que habitam suas casas, a juventude que anima suas escolas, os fiéis que se apiedam em suas igrejas, por todos aqueles que partiram.

Naquele trecho velho, quase em ruínas da Avenida Campos Salles minha mente põe a caminharem o Dorfinho, meu barbeiro, o Sr. Manuel Jurema da loja de tecidos, o Camillo e o Fuad da Casa dos 2 Irmãos, meus tios Angelim, Antônio e Roque que ali labutavam, o Ranulfo do Cartório, o Italo Próspero, o Toninho Gianzanti, seu irmão Pedrinho, o Edésio Montanari, o Geraldo Carelli.

Se passo pela Rua Padre Tarallo, refaço o ponto das jardineiras e dos ônibus e a Pensão Mogiana, o Bar do Baroni, a casa dos Dall’Acqua, a Loja de calçados do Rafael Gentil, que não era nem parente do Dr. Valentim, nem do Sr. José Gentile da papelaria da esquina. Parece que vejo o Sr. Carlito Stocco, gerente da “Força e Luz” na direção da Agência.

Ponto Central de Automóveis, que funcionava no pátio onde hoje se acha a Casa Paroquial, na Av. Pres. Valentim Gentil, esquina com Rua Padre Tarallo.

Da esquerda para a direita: Constantino Rípoli, no fundo o menino Ludovico Del Guércio, José Picoreli, Antonio Mussupapo, Mário Bergamaschi e Antonio Pedro de Oliveira, mas ainda vejo o Lázaro, oToniquinho, o famoso Tico-Tico e tantos outros que por lá passaram

Se entro na igreja matriz, o padre Ednyr se transforma em Frei Elias, suas vestes ficam marrons, seus calçados viram sandálias de franciscano. O ponto de táxis volta a ser “Ponto de Automóveis” e consigo ver o Lázaro Mendes, o Toniquinho, o Tico-Tico, todos os velhos choferes dos nossos “carros de praça”.

E não adianta o Dê Micheletti colocar geladeiras e fogões na frente do Cine Theatro Central, que eu os transformo em Polachini, em Orlando Ellero, o dono e o operador do nosso saudoso cinema; e os cartazes com preços e anúncios, viram cartazes de “E o vento levou...”, de “Amar foi minha ruína”, do seriado  “Fumanchu”, ou  “Nioka, a rainha das Selvas”; e a fachada volta a exibir suas bandeiras coloridas e tremulantes que nos faziam sonhar com Maureen O’Hara, com Lauren Bacall, com Betty Gable, Shirley Temple, Carlitos, o Gordo e o Magro.

O velho e lindo Coreto voltando à mente e trazendo de volta os acordes melodiosos da "Furiosa". Ao fundo o prédio do antigo Fórum, hoje Museu Histórico e Pedagógico "Alexandre de Gusmão"

Se tenho que ir ao Santander ou ao Bradesco aquela velha praça retoma a forma e o visual dos velhos tempos. Suas calçadas ficam sombreadas por aquelas árvores entrelaçadas que davam a volta no quarteirão e meus olhos enchem de bancos de granito os quatro lances de calçadas; lá no centro erijo de novo o lindo Coreto onde tocava a “Furiosa”, a Banda Municipal.

E assim vou recolocando nos seus devidos lugares as criaturas queridas que povoaram minha infância e minha juventude. E aí é que se revela a vantagem de chegar à velhice: a gente tem várias vidas pra alimentar o espírito. Ontem eu recebi um gentil presente do meu amigo Alcides Cacini, seu mais novo livro “Aprenda Morrer” . Como sei que ler o Cacini é uma delicia  e um enriquecimento à alma, já comecei a ler, mesmo porque esta lição eu ainda não tive, eu ainda estou  naquela página da vida “Aprendendo viver”.