Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

"Os pequenos e grandes leitores de uma época de sonhos"

            Nos anos da minha juventude os Itapolitanos tinham aguçado hábito da leitura. Em tempos em que ainda nem sonhávamos com a televisão, os entretenimentos em moda eram o rádio, a visita, o cinema, a rodinha na calçada, a serenata, o sarau, a matinê dançante, a “brincadeira” dançante, os jogos; e quem não curtia nada disto se distraía na leitura. Este hábito abrangia todas as idades, todas as classes sociais.  Crianças, mocinhas e rapazes, senhoras e senhores, avôs e avós, independente da formação cultural, liam. E liam bastante.

            As leituras se distribuíam entre romances, contos, crônicas, poemas, anedotas, revistas, quadrinhos, almanaques, enfim inúmeros gêneros da literatura. Os gostos se dividiam entre obras românticas, realistas, obras de terror, contos policiais, coleções mensais de romances “água-com-açúcar”, como eram chamados os contos melosos da Coleção M. Delly, muito popular naqueles tempos. As revistas também eram muito procuradas. No meu tempo de menino os livros, as revistas eram encontradas nas papelarias e já mocinho, costumava comprar os gibis na banca do Zezé Celli, exposta numa das portas de sua barbearia, ali na Valentim Gentil. Mais tarde, já no início dos anos 50, uma banca recheada de revistas foi instalada na mesma Valentim Gentil, logo atrás da Matriz.

As diversas revistas da época

           As revistas daquela época eram na sua maioria cariocas. Tínhamos a revista “Fon Fon”, que tratava de assuntos cotidianos, a revista “Careta”, publicação de caráter humorístico, a “Revista da Semana”, semanário de conotação política, que arriscava a sátira política em tempos de ditadura Vargas, a revista “Vida Doméstica” que era a “Caras”, dos anos que vinham desde 1902 e era recheada de fotos da crônica social; a revista “O Cruzeiro”, já mais moderna e dinâmica, tinha enorme popularidade, com seus ícones editoriais como Péricles, o criador do desenho “O amigo da onça”, Carlos Estêvam, com seus quadros bem humorados, o “Pif-paf”, seção escrita pelo grande cartunista recentemente falecido, Millor Fernandes, as reportagens eletrizantes e polêmicas de David Nasser. “O Cruzeiro” esgotava-se rapidamente nas bancas e reinou sozinho até o lançamento da revista “Manchete”, em 1952, fazendo eclodir uma guerra editorial entre os Diários Associados, de Assis Chateaubriand e a Editora Bloch. No tocante às revistas em quadrinhos, a primeira delas foi lançada em 1905 e dominou as bancas até os idos anos 40. Era a revista “Tico Tico”, que toda criança pedia como presente de Natal. Nos anos 40  a banca do Zezé ostentava o coqueluche da molecada, os gibis, revistinhas em quadrinhos, coloridas, cheias de aventuras e de heróis. Os leitores mais crescidos preferiam a revista X9, que mostrava histórias de detetives, e tinha até seriados. O “Gibi” e o “Guri” eram a paixão da garotada, com seus heróis encantados, como Namor, o Príncipe Submarino, Flash Gordon, o dominador do espaço, Capitão Marvell, o homem de aço, Batman e seu amigo Robin, o Homem Aranha, super-heróis que ainda não se haviam lançado na carreira solo.

      As mulheres se amarravam nos poetas e nos romancistas da época. Era comum vê-las com  livros de Eça de Queiroz, José de Alencar, Machado de Assis, Raquel de Queiroz, Castro Alves, Gonçalves Dias. Lembro-me bem que um romance impressionou muito as mulheres itapolitanas. O poeta paulista Paulo Setúbal lançou um romance de sucesso enorme, “Confíteor”, que falava dos jovens que “se perderam de Deus”, este livro se esgotou num instante, por isto passava de mão em mão. Passou pela minha mãe, que logo terminou a angustiante leitura para repassar às irmãs Vessoni. Outro livro que fez furor em Itápolis daqueles anos, foi o romance da Senhora Leandro Dupré, “Éramos seis”. “Yperoig”, a obra premiada do acadêmico da terra, o poeta Leão Machado, Leãozinho como era chamado,

também rodou por muitas casas da cidade. Um romancista de sucesso na ocasião era A. J. Cronin, com seu romance “A Cidadela”, que contava a saga de um jovem médico em início de carreira no interior da Inglaterra, sua pátria, livro que me prendeu, de tão deliciosa que era sua leitura. Os jovens mergulhavam nas páginas de “Robson Crusoe”, fantástico romance de Daniel Defoe, publicado originalmente em 1719, no Reino Unido, que contava a história incrível de um náufrago que reconstruiu sua vida numa ilha deserta.

            Os aficionados em suspense, em mistério, se amarravam nas coleções de histórias policiais comuns na época. A mais badalada era a publicação mensal do “Mistério Magazine”, vendido na banca de revistas, que tinha autores renomados, como Ágatha Christie, Edgar Alan Poe, Simenon. Já as pessoas fissuradas na ficção esotérica, nas elocubrações da mente, procuravam todo mês a revista “O Pensamento”, que eu via meu tio Manoel foleando  ávido de lê-lo, meu tio Eduardo mergulhado em suas páginas.

            As revistas, revistinhas, coleções mensais, romances, livros de contos, de mistérios, de poemas, de aventuras e super-heróis, eram os cds, os dvds, os pen-drives de um tempo em que sobrava tempo. Sobrava tempo também para rir às gargalhadas das histórias bem humoradas de Cornélio Pires, com seus anedotários deliciosos como “Meu samburá” e  “Joaquim Bentinho”.