Histórias que não foram escritas

Orestes Nigro

Diário de Itápolis - Jogos da Época

 

1939

Da esquerda para a direita: Nivaldo Sant'anna(mascote), Antonio Torricelli, Neco Faustino, José Sant'anna, Miguel Sant'anna, Ismael Nery Palhares, Angelo Marconi(Picareta), Silvio Vessoni, Herculano Sant'anna, Emílio Ferrarezi, Pedro Benedito Fazzio, João Faustino (Lota) e Adelbe Negrão

Já que falamos do grande Oeste F.C. na semana passada, vamos falar dos jogos que os homens jogavam na minha mais tenra Itápolis. Mas antes, deixem-me corrigir mais um lapso de memória que cometi na crônica anterior. Justamente, falando do Oeste F.C., mais uma vez troquei o primeiro nome do “center-alf” (centro médio, volante), Nivaldo Sant'anna, irmão de outro jogador do Oeste, o Otacílio. Já o chamei de Dorival em crônica passada, Torno a pedir desculpas.

Naqueles anos que ainda conservavam o cheiro do século 19, quando ainda eram visíveis os vestígios da terra de origem entre nossos imigrados, havia uma fartura de jogos individuais, de parceiros, ao ar livre, de mesa, etc.

Naqueles tempos não havia clubes de campo, pelo menos na nossa região. Mas havia os grandes quintais, cheios de espaço para um campinho de “boccia” (do italiano, se diz bótchia), também para um campinho de malha; nas chácaras havia até raias para corridas de cavalos, rinhas para briga de galo que ainda estava longe de ser proibida no Brasil. Se no quintal não desse, jogava-se na rua, havia tantas em que não passava nenhum carro!  E o piso ainda era de terra.

 A “boccia”, muita gente conhece, ainda se joga, é um jogo de arremesso de bolas de madeira, dentro de um retângulo de uns 12 metros de comprimento; eram forradas de areia e se jogava com 13 bolas, sendo uma no papel de bola alvo. E o jogador lançava as 6 bolas que lhe cabiam buscando colocá-la o mais próximo possível da bola alvo. Da rua e das casas vizinhas ouvia-se o ruído repetido do impacto da madeira. A “malha”, jogo mais simples, praticada via de regra nos quintais, se jogava também numa pequena raia de chão batido, de dimensões comparáveis às do campo de “boccia”, variando de acordo com o espaço disponível. Colocava-se no extremo oposto aos que iam jogar, um pino de madeira, que ficasse firme em pé, mais ou menos de 20  a 25cm que se chamava de “pique”. As malhas oficialmente deviam ser de metal, com um diâmetro de 8cm, cabendo 6 para cada jogador, em cada partida, ou queda, como era comum dizer. A malha  era muito popular e se jogava geralmente nos domingos, depois do almoço. Em geral era praticada, por meninos, rapazes e adultos de todas as faixas de idade e se não houvesse malhas, ia com caco de telha mesmo. Já a “boccia”, embora carregue este nome italiano, é de origem oriental muito antiga, remontando a muitos séculos antes de Cristo. Este jogo já esteve no elenco dos Jogos Olímpicos da Antiga Grécia. O nome “boccia”, que se usa até hoje aqui, se deve ao fato de terem sidos os imigrantes italianos a introduzi-lo em nosso país. Já a malha foi trazida pelos portugueses, em cuja terra sempre foi muito popular.

As brigas de galo, hoje banidas pela lei por serem uma prática considerada uma cruel agressão ao animal, eram praticadas em pequenas arenas, chamadas de “rinhas”, em forma circular, com cercado de madeira ou alvenaria, atrás dos quais ficavam os aficionados, os criadores e os donos dos brigadores, que eram tratados nos viveiros a pão-de-ló, e que saíam das rinhas ensangüentados ou mortos.

Os jogos de mesa se diversificavam entre as cartas, os jogos de tabuleiro, o bilhar, o “snooker”, popular sinuca, tênis de mesa e ping pong. Nos “mata-bichos” dos botecos, era comum o jogo de palitinhos, a “porrinha”. No baralho o mais popular era o barulhento Trucco, trazido pelos italianos, que também trouxeram o 3-7 e o “Patrone e Sotto”, jogos estes muito complicados, que jogavam da minha casa quase todas as semanas, numa mesa de 4 jogadores independentes, que costumava reunir o Sr. Chico Torre, Sr. Antonio Compagno, Sr. Reinaldo Guandalini, Sr. Vitório Castelli e mais alguns não assíduos. Lembro-me que o jogo era combinado na véspera e que 3 deles armavam contra o quarto, fazendo com que ele ficasse em último lugar e com isto, proibido de partilhar da cerveja que era o prêmio do ganhador, que tinha o direito de fazer a partilha da Malzbier, que nos anos 30 era a única que chegava em Itápolis e era bebida na temperatura ambiente, nos suaves 35º de Itápolis, porque geladeira era coisa de gente rica. Agora, como era este jogo, não me pergunte, nunca entendi nada.

O bilhar, o “snooker”, o ping-pong e o tênis de mesa eram praticado no clube, os dois primeiros no Boulevard Itápolis, no Bar do Baroni, e numa única casa particular, na casa dos Vessoni, meus vizinhos. Xadres era no clube, dama e trilha, hoje chamado de jogo-da-velha eram diversão caseira. Dominó era jogo de crianças, não era praticado por adultos, pois era considerado fácil demais e sem graça (também acho). Tantos jogos assim, prática que propiciava a reunião, o congraçamento, a amizade, foi sepultada pelo advento da televisão, o “aparelho de fazer doidos”, como era  chamada a TV pelo saudoso cronista Stanislaw Ponte Preta.